Em setembro de 2021, Rubiane Maia teve aprovado o Projeto DIVISA no Edital Setorial de Artes Visuais 020/2020 – Eixo 2: Projeto de Formação, Pesquisa, Intercâmbio, Registro e Memória, da Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo – SECULT/ES. Projeto o qual tive a honra de ser convidado, em fevereiro de 2022, para integrar a equipe de colaboradores, exercendo a tarefa nada fácil de realizar o acompanhamento curatorial dos processos de instauração da instalação online DIVISA, derivada de uma “jornada [de Rubiane, juntamente com seu companheiro Manuel Vason e seu filho Tian Maia Vason] ao longo da região da divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo” [1].
Que desafio! Sim, um desafio e tanto. Porque uma coisa é admirar, acompanhar de longe, como espectador, uma artista cujos trabalhos te mobiliza tantos afetos. Outra é você perscrutar os trabalhos dela a certa distância do seu tempo de produção. E outra coisa completamente diferente – e aí reside o desafio – é estreitar os laços de modo a pensar o trabalho em ato, via o desenvolvimento de uma relação sensível atravessada pelos fluxos internos próprios ao seu tempo da criação. Um desafio não só prático operacional, mas sobretudo um desafio ético. Afinal de contas, como eu, homem branco cisgênero, poderia me posicionar, eticamente, no acompanhamento curatorial dos trabalhos de uma “mulher-negra-artista-mãe- pesquisadora das complexidades que formam aquilo que por falta de uma palavra melhor, chamamos identidade” [2]? Como fazer emergir uma posição curatorial cuja prudência ética me permitisse contribuir e colaborar com a investigação da “relação entre memória-corpo-território-imagem”, via problematização de “questões ligadas a própria subjetividade e biografia da artista” [3]?
Questões complexas para as quais, confesso, não tinha respostas. No melhor das hipóteses intuía dois gestos, os quais decidi seguir. O primeiro diz respeito à premissa de que a única posição ética que me caberia neste lugar de acompanhamento curatorial seria a posição de escuta. Sobretudo porque, nesse contexto em especial, essa escuta haver-se-ia com aquilo que a pensadora brasileira Rosane Borges vem definindo como uma tomada de decisão política que informa de que lado da história estamos: “se do lado da emancipação ou do lado do sacrifício da condição humana. Não há narrativa contra hegemônica possível sem, antecipadamente, não tomarmos a escuta como uma categoria política” [4]. Já o segundo gesto, por sua vez, diz respeito ao entendimento de que qualquer possibilidade efetiva de contribuição às investigações e às questões mobilizadas ao longo da execução desse projeto só estaria alinhada a essa posição política se, junto a ela, outra posição fosse tensionada: a de mediador. Uma posição que, ao longo de pouco mais de cinco horas de escutatória [5] por videoconferência, estava profundamente e tão somente interessada em ir puxando alguns dos fios do emaranhado de processos gestados por Rubiane, Manuel e Tian ao longo de vinte dias de imersão pela divisa e, a partir desse gesto, mediar o encontro de Rubiane com os interstícios desses processos. Encontro que não tinha nenhum outro objetivo a não ser que Rubiane pudesse valer-se dele como laboratório experimental para construção da narrativa multimídia que instituí e constituí a instalação online DIVISA.
Da co-implicação entre esses dois gestos é que esse desafio operacional e ético foi sendo enfrentado. Do mesmo modo que é da interdependência entre esses gestos que emergem as linhas que se seguem. Nesta entrevista, que reúne registros das interlocuções realizadas nos dias 23 e 29 de março, 12 de abril e 26 de julho de 2022, você é convidada/e/o a imergir nas múltiplas camadas que conformam os interstícios do Projeto DIVISA. Não há aqui qualquer compromisso com o encadeamento cronológico do que foi partilhado por Rubiane ao longo desses nossos quatro momentos de interlocução. Há sim um compromisso com a emergência de uma narrativa que, ao exceder o domínio da visualidade, totalmente, permita com que você possa ascender à riqueza e à profundidade da percepção sensível de Rubiane acerca do que foi e como foi essa experiência de “(re)estabelecer uma relação de contato e fusão com esta faixa territorial de fronteira-limite, com o objetivo de desvelar e ressignificar as numerosas camadas da sua história individual e social, que pariam neste ‘entre-terras’” [6].
LINDOMBERTO FERREIRA ALVES: Acho que poderíamos começar pelos processos mais recentes. Como está sendo voltar para “casa” depois dessa experiência de realização do Projeto DIVISA?
RUBIANE MAIA: Foi uma viagem muito gostosa, com uma energia muito boa do começo até o fim. E exatamente por isso voltei com a sensação de que eu queria ficar mais; de que eu queria ter tido mais tempo no Brasil. Abriram-se tantos pequenos caminhos no meio do caminho que nós (Manuel, Tian e eu) fizemos, que fiquei com a sensação de que nada terminou. Esses dois meses se passaram sem que sequer sentíssemos (risos). Nesse sentido, na primeira semana após o retorno do Brasil eu me senti meio perdida, um pouco deslocada. E aos poucos, estou retomando o cotidiano. Mas, ao mesmo tempo, foi realmente muito especial ter tido a oportunidade de realizar esta viagem. Foi diferente do que eu imaginava que poderia ser, e isso é, ainda, melhor.
LFA: E como foi essa viagem em termos logístico e operacionais?
RM: A viagem durou 20 dias. Nós criamos um roteiro, que tinha como ideia central começar no norte e terminar no sul linha da divisa. Não tivemos muitos contratempos, a não ser o tempo necessário para entender como construir a dinâmica dessa viagem. Nós já sabíamos que 20 dias seria um espaço de tempo bem apertado para desenvolver um projeto dessa escala. Saímos da cidade de Vitória/ES e fomos até a cidade de Montanha/ES, esse foi o trecho mais longo da viagem. Viajamos em um carro pequeno, no qual acomodamos absolutamente tudo que precisaríamos. Até porque sabíamos que, iríamos dormir apenas uma ou duas noites, no mesmo lugar. A nossa dinâmica era muito próxima de um acampamento, por mais que a gente não tenha de fato acampado. Ficamos em hotéis pequenos, que nunca eram pré-reservados. Assim que chegávamos numa cidade, buscávamos um lugar simples para ficar. Nós tínhamos um percurso, um roteiro, mas, ao mesmo tempo, o que acabou sendo mais útil era seguir a viagem consultando o Google Maps ou Waze para verificar, em tempo real, o que era ou não possível de ser acessado. Isso porque, basicamente, no interior tem muita estrada de chão, e nem sempre as divisas cruzam uma rodovia. Nesse sentido, seguíamos pela rodovia até certo ponto e entrávamos em estradas de chão, muitas vezes bem difíceis. Tivemos que lidar com a chuva, com o barro, mas que no final das contas todos esse elementos foram muito ricos para os processos de criação à céu aberto. Desde o início da viagem estava muito forte em mim o desejo de trabalhar com a terra, com o pigmento – um desejo que começou a se manifestar há mais ou menos dois anos, aqui pela Europa. De certa forma, eu acho que foi a primeira vez que eu olhei para o Brasil dessa perspectiva. Voltar para o Brasil agora foi olhar de novo para essa terra, e olhar com uma atenção que eu nunca tinha tido antes. Ver a riqueza de cor, a pigmentação do solo, o calor aliado a umidade, a vibração que essa terra tem, seus ritmos. Isso foi muito apaixonante. E a chuva ajudava a tornar isso, ainda mais evidente, porque a cor do solo ficava muito mais vibrante úmido do que seco. O projeto tinha algumas intencionalidades prévias, mas depois que começamos de fato a viagem foi que realmente nos encontramos a certeza da terra como o nosso elemento principal de contato. Nós produzimos basicamente fotografias, vídeos, fotografias e vídeos 360o, áudios, ações e muita pintura em canvas (esse tecido de lona utilizado para pintura).
Eu tinha comprado muitos metros desse tecido para poder trabalhar, ainda sem saber se teria realmente como usar esse material. Mas foi uma escolha acertada, porque no final das contas essa experiência com os tecidos foi uma das mais interessantes. Ela se casou totalmente com a ideia da pigmentação da terra. Fomos usando esse tecido como uma espécie de pele, revestindo os lugares com a ideia carregar conosco um pouco da memória deles à medida que íamos fazendo várias ações na paisagem.
LFA: Antes de seguirmos com essa questão, e para a gente fechar esse ponto sobre logística do trabalho, eu peço para você falar um pouco sobre o critério que vocês seguiram para estabelecer os pontos de parada ao longo da divisa. Fiquei curioso.
RM: Então, nós tínhamos um mapa físico, de papel, no qual fomos observando lugares interessantes, além de usar constantemente o Google Maps. Nem toda a extensão da divisa é facilmente acessível ou demarcada. Quando ela cruza a rodovia é demarcada, tem placas que informam que você está no limite entre Minas Gerais e Espírito Santo. Mas, muitas vezes, esses pontos nem são informados. Especialmente quando ela cruza alguma pequena estrada de chão. Por isso usávamos o GPS para conseguir entender a localização “exata” da linha. Nesse movimento de verificação contínua, quando identificávamos que estávamos sobre a divisa, nós dizíamos: “vamos parar aqui”. A cada ponto de parada que íamos conseguindo elencar ou que a gente conseguia chegar – porque também tiveram pontos que decidimos ir, mas que não conseguimos acessar, por algum motivo (na sua maioria, buracos e alagamentos) – estabelecemos que o ideal seria usar essas paradas para fazer alguma ação, intervenção. Algumas vezes parávamos em lugares em que estávamos realmente em cima da linha da divisa. Outras vezes parávamos nas proximidades.
LFA: E como vocês foram manejando as ações nessa relação de produção que se dá hora sobre a divisa e hora na proximidade dela?
RM: O nosso maior esforço era sempre conseguir realizar as ações sobre a linha da divisa – e isso aconteceu na maior parte do trajeto. Alguns pontos, por sua vez, isso não era possível, então chegávamos até onde dava para chegar. Em Pancas/ES, por exemplo, não conseguimos acessar a divisa por ela está localizada em uma área de cadeia de montanhas. Lindas, por sinal.
LFA: E quais outras descobertas foram emergindo dessas várias formas de relação com essa divisa?
RM: Para mim, particularmente, foi me dar conta de que era muito especial, retomar esse estado de trabalho em um contexto de viagem, de imersão. Não havia um intervalo para fazer outra coisa que não estivesse ligada ao propósito da própria viagem. Era tudo muito intenso nesse processo de se deslocar e de entender toda a logística de ir de um lugar para outro. Uma coisa que não tive tempo para fazer, por exemplo, foi um caderno de anotações – por mais legal que fosse usar a escrita nesse contexto, de colocar algumas impressões num papel, eu realmente não tinha tempo para isso. Era tudo muito corrido: chegar em um lugar, encontrar um hotel para ficar, descarregar o carro (abarrotado de coisas). E, trabalhando com terra, tudo era muito ‘sujo’. Nós estávamos sempre sujos, o carro estava sujo. Então tínhamos diariamente essa dinâmica: tirar tudo do carro, colocar tudo dentro do quarto do hotel, organizar todas as nossas coisas, às vezes lavar roupa dentro da pia do banheiro, colocar os tecidos que estávamos pintando para secar, descarregar fotos e vídeos, arrumar e organizar o material para o dia seguinte, recarregar a bateria dos equipamentos, preparar a comida, pensar nos lanches de Tian. Tudo foi muito intenso e precário nesse sentido. O que não é ruim, mas desafiador porque joga o nosso corpo em um ritmo outro, em uma lógica que não é a do conforto. Nós inventamos diversas dinâmicas – considerando o que era desejável e possível para nós – e a partir dela mergulhamos de cabeça nesta imersão, seguindo a premissa de que: nós estamos aqui, a divisa é o nosso foco e vamos tentando nos deslocar por esses caminhos para ver o que acontece. Além disso, outro aspecto interessante que emerge dessas várias relações que foram se estabelecendo com a divisa foi notar que ela, algumas vezes estava localizada em pequenas vilas, em fazendas, na beira das estradas, ora em locais completamente isolados; já em outras situações, bem no meio de uma cidade. É o caso, por exemplo, de uma cidadezinha chamada Vila Nelita/ES, onde a divisa está sobre uma ponte pequena – onde acabamos realizando uma ação.
Aliás, outro dado interessante é que, em muitas situações, as divisas são os rios. O rio Preto, por exemplo, é um rio que se divide em dois braços na divisa, sendo um deles no Espírito Santo e o outro em Minas Gerais. Essa ponte entre Vila Nelita/ES e Santo Antônio de Nova Belém/MG é um elemento de unificação entre os dois estados. Ao lado dessa ponte tinha a casa de uma família, onde a casa está em Minas Gerais e o quintal no Espírito Santo. A dona da casa relatou sobre os inúmeros problemas que ela teve em relação à documentação da propriedade. A ação realizada nessa ponte despertou a curiosidade de muitas pessoas, que foram ao nosso encontro para poder ver o que estávamos fazendo e do que se tratava. Um movimento bem espontâneo que nos permitiu coletar entrevistas com moradores locais – algo que não buscávamos previamente, mas que simplesmente aconteceu. Por exemplo, um professor de história que trabalha em Minas Gerais e vive no Espírito Santo ficou interessado no projeto e acabou nos dando um depoimento fantástico sobre a sua relação com a divisa. Outra camada que emerge dessas conversas, é que esse lugar foi o epicentro da Guerra do Contestado [7]. Uma senhora de 90 anos de idade, nos relatou que ali, no início do século passado, precisava pagar uma taxa de travessia de um estado para o outro. Ela nos relatou, ainda, que no período do Contestado, muitas pessoas morreram por essa disputa de território. Hoje, a divisa acaba sendo, na verdade, apenas um marco simbólico, mas no passado os conflitos eram muito presentes. No período da colonização, por exemplo, a divisa foi um dispositivo de cerceamento de extrema importância. Afinal, não se tratava de um território de livre circulação. Hoje, acessando esses limites, eu vejo que o projeto, também, passa pela compreensão dessas nuances, da sobreposição de diferentes temporalidades. O que implica dizer que, embora o aspecto histórico não tenha sido o foco, não poderíamos recusar a importância dessas camadas. Foi muito rico ter estabelecido essas conversas porque, ao longo da viagem, nós começamos a prestar mais atenção nessas camadas históricas. Por exemplo, quando passamos por Ibatiba/ES, nós nos deparamos com o Monumento aos Tropeiros [8] – esses constantes atravessadores das divisas que viajavam de um lugar para o outro, carregando mercadorias.
LFA: Aproveito esse gancho com o foco do projeto para retomar o ponto a respeito do trabalho com a terra, ao longo da divisa. De onde vem esse desejo de interesse pela terra e pela pigmentação, que te acompanha há pelo menos dois anos?
RM: Eu acho que esse interesse começou, de fato, após a experiência da maternidade. Tem, por exemplo, toda uma pesquisa que me levou à realização do trabalho “Essa voz que me interrompe para remover os pés do lugar" Livro-Performance: Capítulo 1 [9], em que eu falo sobre o pé e sua conexão com a terra, com as raízes. Eu realizei, ainda, o trabalho “Respirando Memórias” [10] (2019), onde eu trabalho com um punhado de terra cobrindo toda a minha cabeça. Nesse período, a materialidade começou a se tornar um aspecto muito importante para mim. Por outro lado, a terra surge também com a minha migração: eu me tornei imigrante. Morar em outro país me trouxe esse sentido de passagem, de sair de uma terra para ir viver em outra. Além das relações da diáspora, do banzo [11], que começaram a se tornar mais urgentes. Soma-se a isso, uma viagem que fiz dois anos atrás para Grã Canária, uma das Ilhas Canárias, na costa noroeste de África, uma ilha vulcânica. É um lugar onde, os níveis de oxidação acabaram criando solos de diversas cores: verde, roxo, rosa, azulado, etc. Esse encontro com uma montanha colorida afirmou em mim um desejo muito grande de trabalhar com pigmentos porque era para onde eu estava olhando, era aonde eu estava conseguindo ver o novo despontar. Algo que, acaba se relacionando diretamente com meu interesse nas cosmologias indígenas, com a vontade de exercitar uma percepção não antropocêntrica do mundo e da vida [12]. De fato, nesse último ano, eu comecei a ficar meio obcecada com esse movimento de coletar e estudar a terra, de entender as propriedades e as cores do solo. De alguma forma, eu percebo que isso já estava em processo de incubação desde 2015, quando eu fiz o trabalho “O Jardim” [13] (2015). Mas naquelas circunstâncias, o manejo da terra foi pensando muito mais conectado com as plantas, com o processo de crescimento dos feijões.
Antes da viagem para a realização do Projeto DIVISA, eu já vinha estudando o pigmento para aprender a fazer tinta com terra. Só que, viajando não dava para produzir um trabalho muito sofisticado, no sentido de preparar a tinta, de experimentar a textura numa superfície, esperar secar. Na verdade, ao longo do trajeto, nós utilizamos esses grandes quadrados de lona para ir experimentando em ato, tingindo esses tecidos a partir de diferentes experiências corporais com a terra, no meio da chuva, dentro de rios e cachoeiras, etc. Então, nós produzimos várias pinturas de um modo bem intuitivo, onde o tecido ia se transformando numa extensão da nossa pele. Agora, eu vislumbro criar algumas instalações com isso, por exemplo. No final das contas, dar vazão ao desejo de trabalhar com a terra e sua pigmentação acabou gerando muito mais coisas do que o projeto previa inicialmente.
LFA: Fiquei pensando um pouco nesses tecidos tingidos como espécies de testemunhas que insinuam rastros de uma experiência de trabalho com a terra que necessariamente está inscrita no corpo. Porque, querendo ou não, de uma maneira geral, o Projeto DIVISA está no seu corpo, no de Manuel e no de Tian. E testemunhas muito mais potentes, talvez, que os derivados de registros de fotos e vídeos. Faz sentido isso para você?
RM: Sim, faz total sentido. Eu fiquei realmente muito apaixonada por essas lonas, porque elas se fazem exatamente nesse processo de encontro com um lugar. Os uniformes brancos, também, foram sendo naturalmente tingidos à medida que avançávamos pela divisa. A própria roupa em si vai se transformando nesta superfície de pintura. Eu acho que uma coisa que esse projeto resgata em mim é um olhar para o desenho e para pintura; um olhar cartográfico, na qual, o ponto de partida são as superfícies. Superfícies vivas. Por exemplo, recentemente realizei o trabalho “Speirein” (2021) [14], no qual faço uma série de esculturas a partir de moldes dos meus pés, e no qual vou operando com essa ideia de pinta-los com a terra a partir de diferentes tons de marrons terrosos em conexão com a cor da nossa pele. Definitivamente, eu tenho pensado muito na terra como uma segunda pele; ou como uma pele que reveste o mundo. Isso não está muito bem elaborado – mas é uma correlação que está constantemente reaparecendo nas minhas propostas.
LFA: Voltando a uma questão que você comentou antes – de terem uma noção prévia de que “20 dias seria um espaço de tempo apertado para desenvolver um projeto dessa escala”. Como que vocês foram manejando a relação entre tempo e permanência nos lugares de parada? Ou, de modo mais específico, como que vocês foram lidando com essa limitação de tempo no sentido de, minimamente, criarem uma relação [15] com esses lugares?
RM: Eu acho que a própria viagem em si, ou mesmo o fato de estamos indo para lugares diferentes, os quais nunca tínhamos estado antes, já propiciou uma ruptura com a nossa rotina, com a forma como vínhamos organizando o nosso tempo juntos. De fato não foi difícil ir estabelecendo os pontos de parada, porque estávamos muito fascinados com a possibilidade de descobrir lugares especiais ao longo da viagem. Nós tínhamos uma pré- organização muito prática: tomávamos o café da manhã no hotel, carregávamos o carro com todas nossas coisas, preparávamos comidinhas para Tian e saíamos com o objetivo de passar o dia fora. No máximo fazíamos uma pausa em um restaurante de beira de estrada para almoçar – o que, na prática, não aconteceu muitas vezes porque os horários dos restaurantes abertos (geralmente até às 14h), não sincronizava bem com o nosso horário de almoço, geralmente mais tarde. A nossa preocupação maior era com Tian, mas sempre carregávamos várias comidinhas e muitas frutas para ele. A ideia de chegar em um lugar e compor um relacionamento com ele acabou sendo muito espontânea, e isso se alinhava com esse movimento de estarmos todos juntos, vivendo essa pequena aventura. Ao mesmo tempo, quando voltávamos para o hotel à noite, fazíamos uma pesquisa online com as possibilidades para o dia seguinte. Algo que, às vezes, nem funcionava porque, fomos descobrindo que era muito difícil entender, através do Google Maps, os locais acessíveis. E o que aconteceu, muitas vezes, foi que chegávamos em um lugar que tínhamos planejado ir, mas na prática não dava para chegar na divisa pelas condições da estrada com buracos e alagamentos provocados pela chuva.
LFA: Mas como que se dava essa relação entre tempo, adequação às possibilidades do lugar e a realização de alguma ação? Ou seja, como que vocês iam contemporizando a descoberta desses lugares com o tempo possível de permanência neles, com o objetivo de que o vínculo construído com o lugar fizesse emergir alguma possibilidade de ação performativa?
RM: Tínhamos essas roupas brancas que usávamos sempre durante a hora das ações. Então quando decidíamos que era hora de parar, trocávamos de roupa e começávamos a caminhar. Uma caminhada mais atenta e meditativa, eu diria mais curiosa. Tian, nesse sentido, contribuiu muito. Como toda criança, ele é muito curioso e quer experimentar tudo. Nós adultos, racionalizamos demais qualquer experiência. E esse processo de estabelecer um contato sensível com o lugar, era importante escapar da razão, das lógicas convencionais e ser mais intuitivo. Por isso, Tian acabou se tornando uma espécie de guia para nós. Ele nem perguntava, o que vamos fazer agora?. Ele simplesmente começava a brincar. Por exemplo, a primeira ação que realizamos foi, na verdade, foi uma proposta que veio de Tian: vamos pescar essas cascas de bambu?
Outro aspecto interessante é que quando voltávamos para o hotel, depois de passar o dia inteiro em trânsito, observávamos os registros. E isso nos inspirava, gerando ideias para o dia seguinte. Porque nesse movimento pensávamos: “nossa, a gente podia ter feito essa experiência por mais tempo ou podíamos ter prolongado aquele momento ali”. E aí, no outro dia, em um outro lugar – porque nunca voltávamos aos mesmos lugares – às vezes, casava de aplicarmos exercícios que começamos, mas que foram interrompidos. Ou seja, durante a viagem fomos adquirindo uma espécie de repertório que ia crescendo a cada dia. Eu acho que eram as memórias do caminho que iam se instaurando no nosso corpo, nos nossos desejos. Revendo o vídeo que fizemos no bambuzal, eu me encontro com a brincadeira. Pode parecer bobo, mas eu nunca tinha pensado profundamente na relação entre a performance e a brincadeira. Quando Tian era bebê, nós, começamos a refletir sobre os desafios da parentalidade, pensando na responsabilidade que é educar uma criança. Então, buscando orientação, nós começamos a ler bastante sobre a pedagogia Montessori [16]. E um dos aspectos interessantes dessa proposta pedagógica é o respeito sobre a relação da criança com o tempo. Especialmente no que diz respeito ao fato da criança perceber e se relacionar com o tempo de uma maneira muito diferente de nós, adultos. Para Maria Montessori, a criança está aprendendo o tempo todo porque é um ser aberto, curioso diante de quaisquer circunstâncias. Ou seja, para as crianças qualquer tipo de vivência gera aprendizado. Então, não precisamos fazer muita coisa, além de oferecer um ambiente seguro, criativo e fértil para que ela possa fazer as suas próprias escolhas, segundo seu interesse naquele momento. Outro aspecto curioso na pedagogia Montessori é que ela não aconselha a utilização da palavra brincadeira, mas, reforça o uso da palavra 'trabalho'. Ou seja, ao invés de propor “vamos brincar”, ela foca no “vamos trabalhar; vamos construir alguma coisa juntos”. De fato, eu e Manuel nunca adotamos todas as regras dessa pedagogia, mas seguimos receptivos ao que fazia sentido para nós. E estou comentando isso agora, porque, aconteceu algo engraçado: para nós, obviamente, o contexto dessa viagem era realizar um trabalho. Então, espontaneamente usávamos a palavra trabalho para se referir ao ato de fazer uma performance. Quando estou fazendo uma performance, eu normalmente não digo “estou fazendo uma performance”, mas, quase sempre, “estou fazendo um trabalho”. Mas, com o envolvimento de Tian nas ações, a gente começou a tentar incorporar a palavra brincadeira como sinônimo de trabalho. E foi muito interessante pensar nessa simbiose entre as palavras performance-trabalho-brincadeira. E por mais que, continuássemos usando a palavra trabalho, nós nos permitimos que ela se tornasse menos pesada, permitimos que ela, também, se tornasse um tipo de brincadeira. Ao mesmo tempo, Tian começou a adotar a palavra trabalho. Todas as vezes que ele ia propor algo, já pedia para vestir seu uniforme falando: “agora é hora de trabalhar”. Tinha essa coisa de vestir a roupa. Quando ele vestia a roupa era hora de começar a trabalhar (risos).
LFA: Fiquei imaginando aqui o quanto que para ele, para Tian, não tenha sido incrível ver os pais (os adultos) embarcarem nas brincadeiras dele...
RM: Sim! Ele ficava todo orgulhoso disso. Dois aspectos especiais dessa viagem foram a relação de encontro de Tian com o Brasil, e o amadurecimento da nossa relação de parceria. Foi a segunda viagem ao Brasil, na primeira, ele tinha apenas um ano e três meses. Agora com quatro anos, foi surpreendente ver como ele está aprendendo a lidar com a vida, com a liberdade, assumindo algumas pequenas responsabilidades. Por exemplo, nas ações próximas à rodovia, tínhamos toda uma atenção especial com os movimentos de Tian em virtude do trânsito de carros em alta velocidade. Então, estabelecíamos regras bem claras com ele explicando o contexto e delimitando uma área de trabalho. Por exemplo: “não pode ultrapassar essa linha. Ou, pode caminhar em cima da linha branca do acostamento”. Dar essas orientações era muito importante, porque estabelecíamos um processo de confiança mútua. E por mais que ele seja uma criança, nós não duvidávamos da sua capacidade de compreender que eram orientações de cuidado e segurança. Ele sabia que se tratava de algo importante. Depois do primeiro dia, na qual, Tian participou, de fato, criando uma ação, nós fomos gradativamente percebendo que deveríamos deixar ele muito livre para poder interagir, ou não, segundo suas vontades. E também, deixamos claro entre nós, que não haveriam erros nesses processos de interação. Estabelecemos apenas que durante as filmagens não iríamos falar – ou, pelo menos, iríamos evitar falar, a não ser que precisássemos muito dizer alguma coisa – e que ele, Tian, sempre poderia escolher de que forma iria interagir. Nunca teria um script, no máximo limitações de espaço de atuação. Não foi um esforço chegar a isso, afinal, ele é só uma criança. E é uma criança que está acompanhando a mãe e o pai artistas numa aventura meio doida, entende?!
LFA: E você imaginava, quando escrevia o Projeto DIVISA, que a presença de Tian iria mobilizar tanta força e contribuir de maneira tão decisiva?
RM: Não. Não imaginei nada, não planejei e, definitivamente, não criei nenhuma expectativa. Eu planejei que ele estaria junto conosco, mas, não necessariamente para trabalhar junto como um parceiro. Eu pensava na presença de Tian apenas como meu filho, como a criança que levamos para qualquer lugar que vamos. O envolvimento dele com o projeto surgiu de um modo tão inesperado, que isso foi até mais bonito. Durante a viagem, ele realmente participou de todas as etapas: pesquisou materiais, opinou sobre os lugares de parada, propôs ações, e até foi para trás da câmera, pois ele queria aprender a manusear os equipamentos.
LFA: O que me parece, com a presença de Tian, é que vem a tona a perspectiva de uma presença totalmente despojada de uma série de filtros inerentes às percepções sua e de Manuel, por exemplo, a respeito de processos de criação...
RM: Sim, exatamente. E com muito mais liberdade para experimentar e brincar. Apesar dele gostar de se referir a todo o processo como 'trabalho', fico pensando, que isso se deu pela percepção dele de que de alguma forma, para nós (Manuel e eu), estávamos fazendo algo que considerávamos sério e importante. No entanto, ele nos liberou completamente da ideia de erro, da pressão por acertar. Eu acredito também que o mergulho de Tian nesse projeto é um aspecto tão rico, inclusive, que pode servir de motivação para discutirmos a relação das crianças com as artes, a parentalidade, etc. Ou ainda, pensar no contexto escolar, especialmente porque, a instituição-escola costuma limitar demais o protagonismo das crianças ao cumprimento de protocolos de comportamento, regras. Eu me sinto orgulhosa de afirmar que o protagonismo de Tian aqui não é menor do que o meu ou de Manuel.
LFA: Eu fiquei pensando nessa imagem força da infância, ou melhor, da infância como imagem força, que infelizmente vamos perdendo ao longo do tempo. De certa forma, a presença de Tian parece operar como um devir atravessando o tempo todo os processos de trabalho. Porque é um projeto com uma série de questões que foram previamente estabelecidas para serem discutidas, manejadas e acionadas. Mas, de repente, você e Manuel são confrontados com um “pequeno” devir o tempo todo, atravessando tudo e dando a ver outras perspectivas a respeito do que se está fazendo ou mesmo daquilo que eventualmente pode ser feito...
RM: Sim, um devir-criança. Foi muito isso mesmo, esse pequeno devir que atravessa e traz fricções e contribuições, das mais preciosas. Eu acho que uma coisa que fez com que esse devir se tornasse ainda mais intenso foi a nossa escolha por não o controlar, de não o conter. Mas sim de segui-lo, de embarcar nessa força-guia. Não é algo que estamos acostumados a fazer, mas nessa viagem nós abraçamos essa possibilidade de ir junto com ele. Ou seja, ao invés de forjarmos uma situação de controle, optamos pela fluidez, pelo aspecto intuitivo.
LFA: E para o Manuel? Como que você sente que foi toda essa experiência para ele?
RM: Eu não posso dizer por ele, mas senti que foi bem interessante para o Manuel viver essa experiência de estamos todos trabalhando juntos. Nunca é simples estar em coletivo, e nós somos uma família. Na vida cotidiana estamos sempre tentando equilibrar o fato de sermos ambos artistas, parceiros com uma cultura diferente, e pai-mãe de uma criança pequena que gera muita responsabilidade. Isso gera atritos algumas vezes? Muitas vezes. Mas, ao mesmo tempo, tem proporcionado muito crescimento e maturidade para nós. O Manuel não conhecia muito do Espírito Santo, também, e não sabia tanto sobre as minhas histórias familiares pela divisa. Ou seja, ele não foi só o fotógrafo e videomaker do projeto. Ele era o meu companheiro de vida participando de um encontro com um pedaço da minha história.
LFA: Uma das razões de fazer o Projeto DIVISA tem a ver com a busca por tentar entender a sua própria história, a história da sua família, a sua ancestralidade. Poderia falar um pouco como que esse movimento foi sendo gestado ao longo da viagem?
RM: Claro, essa foi a minha principal motivação para criar esse projeto. Eu nasci na cidade de Caratinga/MG (que não está na divisa), mas logo que nasci meus pais foram morar na cidade de Aimorés/MG (que está na divisa), e três anos depois, nos mudamos para Serra/ES, e em seguida para Vitória/ES. Aimorés/ MG é a cidade do meu pai, por isso fomos para lá. Caratinga/ MG é a cidade da minha mãe, por isso eu nasci lá. Toda a história familiar do meu pai é muito nebulosa, eu nunca conheci a sua família, porque ele ficou órfão muito cedo, sendo criado pela avó que morreu antes do meu nascimento. Ele é o filho mais velho, pois sua mãe teve mais dois filhos (meus tios), que nunca conheci. O meu pai era negro, então, ele representa a minha herança afro descendente. E já faz alguns anos que eu estou em busca dos fragmentos da minha história por parte de pai. Ele faleceu em 2005, então, a gente acabou não tendo a oportunidade de falar muito sobre isso. O que aconteceu é que fomos para Aimorés/MG, porque estava na divisa, e porque eu queria visitar a rua onde eu morei. Eu queria muito ver novamente a casa que eu vivi até os três anos. A minha mãe me passou o endereço de uma antiga vizinha. Eu fui até a casa dela, falei quem eu era, o que estava fazendo ali, e ela se lembrou imediatamente dos meus pais. E me mostrou a casa onde eu morei, de frente para a dela. Depois, ela me contou que eu tinha uma prima que morava ali perto, uma parente do meu pai, mais especificamente, filha de um tio do meu pai. Ela me deu o endereço, sugerindo que eu fosse até a casa dessa prima. Na hora me deu aquele frio na barriga, mas resolvi ir. E foi assim, que eu reencontrei essa prima desconhecida, um pouco mais jovem que a minha mãe. Ela me contou várias histórias de família, me mostrou a foto do pai e mãe dela, um tio já falecido. Relatou que a minha bisavó (avó do meu pai), sofreu violência doméstica até tomar a decisão de abandonar o marido para criar os filhos e meu pai sozinha. Falou, ainda, que ela era uma mulher forte, guerreira, que “ganhava a vida” lavando roupas para fora para sustentar a família. Depois, essa prima, falou o seguinte: “o lugar onde a sua bisavó morou é aqui perto. A gente só não sabe se o ‘barracão' foi demolido, ou não, porque era só um cômodo velho com um fogão à lenha dentro, mas eu acho que esse ele existe até hoje. É aqui perto, vai lá!”. E eu fui nesse lugar. Eu bati na porta, uma mulher veio ao nosso encontro. Eu disse: “Oi, boa tarde! Me chamo Rubiane. Estou aqui fazendo uma pesquisa para entender a minha história. Eu descobri que aqui foi o lugar onde a minha bisavó viveu...”. Esse lugar, hoje, é uma casa grande que foi construída, aos poucos, após a morte da minha bisavó, depois que o terreno foi vendido. O lugar que a minha bisavó viveu tinha se transformado num cômodo da casa desta senhora. Então, ela me levou até esse cômodo e me mostrou exatamente onde ficava o fogão à lenha e a porta de entrada. Definitivamente, esse foi um dos momentos mais fortes que eu vivi. Eu tenho a certidão de casamento da minha bisavó. Lá consta que ela nasceu em 06 de junho de 1895. Só tem o nome da mãe, e no lugar do pai está um traço. Provavelmente, ela foi filha de uma mulher escravizada. Por outro lado, uma outra camada desses processos de família, que eu descobri falando com a minha mãe, antes de partir para a viagem pela divisa, é que ela não nasceu em Caratinga/MG, mas em Cuparaque/MG (que também fica na divisa). Na verdade, ela se mudou para Caratinga/MG com um ano de idade. De repente, eu descobri que eu tive uma vó e uma bisavó em dois locais diferentes da divisa do Espírito Santo com Minas Gerais: em Aimorés/MG e em Cuparaque/MG. Essa descoberta definitivamente colocou Cuparaque/MG no meu roteiro. Lá não havia endereço ou pessoas conhecidas, mas nós tentamos encontrar uma referência do lugar onde a minha avó viveu. Ela disse que era bem perto de uma grande pedra, uma pedra chamada de Pedra do Pescoço Mole. E foi lá que nós fizemos um trabalho com umas fotografias antigas do seu casamento. Descobrimos, inclusive, que cuparaque significa onça pintada, porque antigamente toda a região era território indígena. Enfim, esse projeto acabou me jogando no umbigo da minha existência. Coisas que acabaram acontecendo para além do que eu poderia prever.
LFA: Talvez seja uma pergunta um tanto antecipada, porque acredito que é preciso mesmo algum tempo para decantar todas essas camadas acessadas, todas essas experiências vividas na realização do Projeto DIVISA. Mas retomando a expressão que você usou antes, “criação de um repertório”, fiquei pensando: que corpo é esse que essas camadas, essas experiências, a criação desse repertório, vai fazendo emergir? Porque criar um determinado repertório é também, em alguma medida, criar um corpo [17]; mas, nesse contexto em especial, essa coimplicação, essa interdependência, parece ganhar outros contornos de intensidade.
RM: Bem, vou começar já antecipando que, eu não tenho uma resposta para essa pergunta (risos). Mas eu tenho algumas considerações que, para mim, estão super relacionadas à experiência de constituição desse repertório. Dentro dessas possibilidades, me vem imediatamente à questão de se dispor à experiência, de cultivar um corpo poroso, de uma predisposição à ideia de habitar temporariamente um lugar desconhecido da minha existência. Sem dizer que esse é um projeto que, fundamentalmente, se faz através de uma travessia espaço- temporal. Nesses últimos dias, para escrever o verbete DIVISA fiquei pensando muito sobre as estratégias que mobilizamos para cultivar uma receptividade afetiva com o que nos cerca. E, de certa maneira, acabei caindo em um livro sobre cartografia [18], que é uma coletânea de textos que discute a cartografia como método. Então, eu li uma das pistas desse método com a qual me identifiquei imediatamente: ‘a paixão pela aventura’. De alguma forma, por mais que esse projeto tenha sido motivado por memórias de infância – nesta relação de tentar entender essa vida “entre” Minas Gerais e Espírito Santo – percorrer a divisa significava ir ao encontro do desconhecido. Eu reli, também, o capítulo “Acerca do Ritornelo”, do livro Mil Platôs [19], onde Gilles Deleuze e Félix Guattari vão falar de território existencial [20], que eu considero ser um conceito super caro para minhas pesquisas. E nessa releitura, eu me senti muito afetada com uma frase muito curtinha do texto: “o em-casa não preexiste”. E eles continuam a frase, explicando: “foi preciso traçar um círculo em torno do centro frágil e incerto, organizar um espaço limitado”. Então, quando eu li “o em-casa não preexiste”, eu senti um alívio, pois imediatamente eu conectei essa afirmação com uma outra questão que estava girando na minha cabeça, que é a noção de pertencimento. Eu pensei, se o ‘em-casa não preexiste’, ele é só pode ser um estado, algo que tem a ver com uma vitalidade. Ou seja, significa algo bem menos sólido, e muito mais volátil. Essa organização que estamos acostumados a chamar de casa – uma organização que nós definimos a partir dessa ideia de um espaço habitável – na verdade não, necessariamente, está ligado ao sentimento de pertencer. E eu acho que o corpo, também não preexiste. Na verdade, nunca se trata de um só corpo, né? Nós somos bilhões de corpos ao mesmo tempo, se considerarmos tudo que nos compõe: água, células, bactérias, ou seja, todos os microorganismos que formam o que percebemos como um corpo. Quando eu saio daqui da Inglaterra e vou para o Brasil, é um corpo que vai. Mas depois de alguns dias pela divisa, emergem outros corpos. E à medida que esse corpo vai sendo afetado pelo ambiente, ele vai mudando. Essa é uma outra palavra que está muito presente no meu pensamento agora: ambiente. Porque o ambiente está sempre repleto de outros corpos, não se trata apenas de um espaço. É um espaço repleto de corpos humanos e não humanos. O que quero dizer, é que os nossos corpos estão permanentemente recebendo estímulo e respostas de tudo que nos cerca. E essa multiplicidade toda de partilhas sensíveis [21] está acontecendo o tempo inteiro, em continuidade. Por mais que fiquemos fabulando que as transformações mais importantes da vida aconteceram por causa de uma determinada situação, na verdade não é tão simples, tão óbvio. Nós desconsideramos tantas camadas que sequer percebemos que estão em ação agora, atuando nesse instante. Por outro lado, eu sempre fui muito interessada na quebra da rotina. Quando estamos a perceber muito mais, quando nos abrimos à escuta. Tem um trechinho do livro [22] do Emanuelle Coccia, que, para mim, tem a ver com essa questão dos corpos que emergem na criação desse repertório, no qual ele diz: “um mundo onde ação e contemplação não se distinguem mais, e também um mundo no qual a matéria e a sensibilidade se amalgamam perfeitamente”. Eu fiquei pensando muito nessa relação entre contemplação e ação, porque isso estava em jogo todo o tempo [23] durante a nossa viagem. Estávamos experimentando a contemplação e a ação, da mesma forma a matéria e a sensibilidade. A DIVISA é um projeto que envolve um contato direto com a materialidade, mas, ao mesmo tempo, considerando sempre que essa materialidade é uma energia vibrante, pulsante e viva. É uma matéria que responde ao contato. Porque do mesmo jeito que a matéria responde ao meu ato, o meu corpo responde à matéria. E eu acredito que isso acaba tendo a ver com essa construção de um repertório que são esses registros ínfimos de contato e intimidade que vão se acumulando no nosso corpo [24].
LFA: Ou seja, é sempre um estado, e é sempre um estado polifônico...
RM: Sim! O nosso corpo é um canal; nós somos um corpo oco, esburacado. A experiência de percorrer a divisa nos fez operar em polifonia, pois são muitos corpos conversando em si, nesse lugar de encontro e passagem. De repente, eu me deparei não apenas com a linha-divisa, mas com o ambiente-divisa que mexeu completamente com o meu estado emocional, mental, psíquico. Moveu o meu território existencial de lugar.
LFA: A sua reflexão sobre o pertencimento é particularmente muito curiosa, porque se pegarmos umas das suas principais referências bibliográficas do Projeto DIVISA – referência, inclusive, que te acompanhou ao longo da viagem – que é o livro [25] da bell hooks, esse seu exercício de pensar o pertencimento vai um pouco na contramão das reflexões que ela nos apresenta...
RM: Eu encontrei coisas muito valiosas na leitura desse livro. Ela constrói toda uma narrativa pessoal sobre a relação de afastamento e retorno ao Kentucky (EUA). Ao mesmo tempo, que essa narrativa passa por questões históricas sobre os resíduos da escravidão. Apesar das particularidades e diferenças significativas sobre a diáspora na América do Norte e no Brasil, em ambos persiste a vulnerabilidade dos estados de saúde mental das pessoas negras, vinculado ao sentimento de não se encaixar ou não pertencer a nada. Há um trecho em que, hooks reflete sobre os contínuos conflitos de valores entre as culturas do pertencimento e o individualismo liberal em que ela se viu, quando deixou o estado do Kentucky (EUA). E afirma: “Há muito pouco trabalho publicado que analise a turbulência psicológica que os negros enfrentaram quando fizeram sérias mudanças geográficas que trouxeram consigo novas demandas psicológicas”. O que nas palavras de Saidiya Hartman [26], reaparece de um modo bem mais direto “o sentimento de não pertencer ou de ser um elemento estranho está no cerne da escravidão. O amor não tem nada a ver com isso; o amor tem tudo a ver com isso”. Então, essa junção entre o pensamento de hooks e Hartman se tornaram primordiais para mim. São duas autoras com um conhecimento e uma sensibilidade muito profundas, ambas trabalhando nessa intersecção entre o histórico e o autobiográfico. Uma outra intervenção importante que se alinhavou com essas questões, veio das autoras Dani D’Emilia e Vanessa Andreotti [27], com a afirmativa: “Desative expectativas de pertencimento e se concentre em desaprender a lógica da separabilidade”. Quando eu penso na divisa, automaticamente essa frase ecoa como um desafio e como um exercício árduo e primordial para a vida.
LFA: Tenho uma derradeira pergunta. Conheci seu trabalho em 2013, quando presenciei, em Vitória/ES, a apresentação da performance “Decanto, até quando for preciso esquecer” [28]. Trata-se de um trabalho produzido sob o guarda-chuva da questão da memória, e que, naquele momento da sua trajetória, estava muito mais atrelado a uma espécie de fascínio seu pela incapacidade humana de dominar o esquecimento. Ou seja, um trabalho cujas ações buscavam forjar táticas e procedimentos através dos quais o esquecimento pudesse emergir como possibilidade “concreta”. Quase dez anos depois você produz o Projeto DIVISA, que, à princípio (ao menos à princípio), parece caminhar no sentido oposto. Como que você entende esse deslocamento, essa “aparente” inversão de perspectiva? Porque até me parece possível pensar essa questão a partir da hipótese de que seus saberes-fazeres artísticos seriam urdidos através de uma espécie de espiral poética [29], a qual marca, sempre sob o signo da diferença, o retorno das questões, dos temas, dos elementos conceituais e formais. Mas o que fica em “suspenso” (entre aspas, pois você deixa entrever isso ao longo de todas nossas conversas) é entender justamente o ponto de singularidade desse movimento de retorno à questão da memória.
RM: A memória se tornou o conceito central da minha pesquisa. É dessa fonte que eu bebo todos os dias. E cada vez mais, eu tenho entendido que a memória compreende tudo que nós somos, incluindo o esquecimento, incluindo aquilo que não sabemos que somos. Ela é uma narrativa, mas não pode ser condensada apenas na linguagem. Não pode ser totalmente explicada porque não se resume ao conhecimento humano, pelo contrário, a memória toca o extra-humano. Nesse sentido, cada um de nós é somente uma fagulha da história do mundo. É claro que eu estou interessada na minha própria história, nas narrativas familiares, na diáspora e na minha herança negra, mas eu não acho que acaba aí, pelo contrário, começa ai para ir além. Eu, também, estou super interessada nas memórias que estão além de mim, e que posso acessá-las. Mas, eu também, estou interessada nas memórias que não podem ser acessadas, que estão no campo do esquecimento. A performance “Decanto, até quando for preciso esquecer” me ajudou a compreender que o esquecimento não é o contrário da lembrança, eles atuam juntos, em um movimento de expansão e contração. O que significa que a memória é plástica, dinâmica. Ela é capaz de tomar diversas formas. Para compreender isso, e para exercitar isso, nós precisamos evitar pensar no tempo como uma linha, como linearidade. Nós precisamos abrir mão dessa ideia de separação entre o passado, o presente e o futuro [30]. Então eu acho que esse conceito de espiral poética é muito interessante para espelhar como os movimentos da vida vão acontecendo entre jogos de similaridades e diferenças.
Em Bergson [31], o que lembramos é aquilo que de alguma forma tem utilidade para o presente. É útil no sentido de que, de alguma forma, aquilo que retorna para nós como lembrança contribui para os movimentos de atualização coletiva do mundo. Ou seja, o passado sempre é útil para potencializar processos e acontecimentos vinculados às transformações do agora. Então, eu arriscaria afirmar que o projeto DIVISA, e seu modo de operar com a questão do resgate de algumas memória, sempre esteve incubado, em vias de. Mas aconteceu quando precisava acontecer, e foi agora. E curiosamente, aconteceu quando coexiste comigo um novo descendente que é Tian. E isso, também, faz total sentido para mim quando eu penso que, realizar esse projeto simbolicamente significa apresentar a ele a minha terra. A presença de Tian na minha vida me trouxe a lembrança da criança que eu fui, mas também me fez olhar com muito mais respeito para os acontecimentos familiares que antecedem ao meu nascimento. Ou seja, eu sinto que há uma magia acontecendo, justamente porque o tempo é essa espiral que nos ajuda na atualização contínua do que somos. E isso me faz refletir, como as imagens de família e de infância não estão ai, apenas ao sabor do acaso, mas retornam porque são elas que materializam a expansão do meu território existencial, potencializando o futuro (ou os futuros), que estão se abrindo no agora.
NOTAS
[1] Excerto do texto do Projeto DIVISA submetido ao Edital Setorial de Artes Visuais 020/2020 – SECULT/ES.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem.
[4] Trecho da fala de Rosane Borges, proferida em 11 de dezembro de 2020, quando de sua participação na mesa “O olhar e a escuta como ato político em narrativas contra hegemônicas”, no âmbito do 1o Encontro de Artes e Narrativas Contra Hegemônicas das/nas Amazônias – evento promovido pelo Laboratório de Experimentação em Filosofia, Arte e Política na Amazônia | PPGArtes & ICA/ UFPA. O registro da fala de Rosane Borges na íntegra está disponível em: <https://youtu.be/0DO0W8gZsjo>.
[5] ALVES, Rubem. Escutatória. In: ALVES, Rubem. O amor que acende a lua. Campinas: Papirus Editora, 1999. Disponível em: <http://www.caosmose.net/ candido/unisinos/textos/escutatoria.pdf>.
[6] Excerto do texto do Projeto DIVISA submetido ao Edital Setorial de Artes Visuais 020/2020 – SECULT/ES.
[7] De acordo com Nayana de Souza Ramos et al. (2018), “a história do Contestado tem suas raízes em 8 de outubro de 1800, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, quando foi instituído uma demarcação, motivado pela abertura do Rio Doce à navegação. Um século depois, em 18 de outubro de 1904, os dois estados adotaram como linha divisória, ao norte do Rio Doce, a Serra dos Aimorés ou do Souza, que, com o tempo e confusão de denominações, se tornou o real ponto da discórdia. Minas Gerais reconhecia que a Serra dos Aimorés estava situada em Água Branca, no Espírito Santo, os capixabas rechaçavam, afirmando que era em Conselheiro Pena, em Minas. E, nesse meio, ficou esta região contestada por ambos. Em 1914, o Supremo Tribunal Federal (STF) asseverou a Serra dos Aimorés como divisor oficial dos dois estados. A partir de então, o clima de medo, insegurança e ameaças eclodiu entre mineiros e capixabas. [...] Em meio a essa guerra fria, a zona do Contestado era um território de 10 mil km2 que, desde 1903, estava sendo disputado litigiosamente pelos governos do Espírito Santo e de Minas Gerais. [...] As tropas mineiras e capixabas em prontidão. O clima de tensão e de um iminente combate se espalhou entre os militares e a população. Anos de apreensão e entrincheiramento. Apesar de não haver confronto direto entre as tropas mineiras e capixabas, a questão dos limites deixou um saldo grande de vítimas, tanto civis e militares, e o número total de mortes ainda é incerto. Em 1958, os dois governos retiraram as tropas da região e iniciaram as negociações com base em laudos periciais”. Para mais informações, ver: RAMOS, Nayana de Souza et al.. 1948 - As marcas do Contestado em meio ao massacre do quartel de Ataléia Processo no 895: Uma história nunca antes contada. In: Revista do Observatório da Justiça Militar Estadual, Belo Horizonte, vol. 2, no 2, p. 57-67, jul. - dez., 2018. Disponível em: <https://observatorio.tjmmg.jus.br/seer/ index.php/ROJME/article/view/71/75>.
[8] Construído em 2011, o Monumento é formado por oito figuras de animais, carregados com balaios, bolsas e caixas e duas figuras humanas, um cavaleiro e um toleteiro/tocador, em tamanho real, remontando uma tropa e está localizado em um dos canteiros centrais, em área urbana, na BR 262. Em 2013, em virtude da aprovação da lei no 702/2013, o Monumento foi declarado patrimônio histórico e cultural do município de Ibatiba/ES.
[9] Performance realizada em pareceria com Adelaide Bannerman, na Jerwood Art Space, em Londres, Inglaterra, 2018. A ação consistia em “transplantar uma pequena árvore da espécie Ficus Lyrata ou Fiddle-leaf fig, como é popularmente conhecida. Uma planta perenifólia, tropical, nativa do oeste da África, mas cultivada no mundo inteiro. Primeiramente, retirar a árvore do vaso, para em seguida, mover cuidadosamente toda a terra. Liberar e expor completamente a raiz e tocá-la com delicadeza. Replantar a árvore em um outro vaso com uma nova terra”. Toda a ação foi executada sob a leitura de Adelaide Bannerman de um fragmento de texto, cujo elemento condutor da escrita era os pés. Fragmento: “meu pé esquerdo está em desacordo com o pé direito. Estou me debruçando sobre os meus pés, todos os dias, todas as madrugadas. Principalmente as de insônia. Estou me debruçando sobre as minhas raízes”. A respeito das motivações dessa escrita, Rubiane Maia diz: “Quando o meu filho completou quatro meses de idade, comecei a escrever todos os dias durante um ano – de janeiro de 2018 a janeiro de 2019. Com grande esforço obrigo-me a sentar-me à frente do computador e escrever o que me veio à cabeça, propositadamente sem uma direção previamente planeada. Através deste compromisso diário, surgiu uma espécie de escritos catárticos. Eram, na sua maioria, narrativas da minha vida passada e presente. Descrevem a transformação gerada pela maternidade e a mudança para outro país. Falam de sonhos violentos, da minha carreira, emoções suprimidas, imagens da minha família e da minha infância. No meio disto, encontrei camadas de memórias traumáticas de racismo e misoginia perdidas no esquecimento. Situações que revelam a brutalidade de um sistema que silencia e afasta as identidades minoritárias: no meu caso, uma brasileira-preta-fêmea-mãe-artista. Uma epifania entre memória, encarnação e linguagem, que tenho vindo gradualmente a familiarizar e que decidi analisar e editar para criar uma série de ações em resposta a estes textos autobiográficos”. Para mais informações, acessar: <https://www.rubianemaia.com/this-voice-cuts-me-off-removing-my->.
[10] Performance realizada na Art Residency PAUSE & AFFECT 4 at Performance Space, Folkestone, Inglaterra, 2019. A respeito desse processo Rubiane Maia diz: “Em maio/junho de 2019, fui convidada para participar de ma residência artística, durante a qual pesquisei o diagrama 'Cone Invertido' criado por Henri Bergson para ilustrar a sua teoria sobre Tempo e Memória. Para além da minha curiosidade sobre o assunto, estava particularmente interessada na forma do cone e nas suas possibilidades sónicas. Assim, desenvolvi uma série de trabalhos utilizando este objeto sob a forma de esculturas, desenhos e diagramas, bem como ações performativas. Em uma das peças intituladas "Breathing Memories" (Respirando memórias) liguei um objeto cone a um tubo de snorkel (dispositivo utilizado na prática esportiva de mergulho livre) para capturar e amplificar o ar que entrava e saía da minha boca. Posicionei-me de cara para baixo para que a minha cabeça pudesse ser coberta por uma pilha de terra, e durante três horas realizei uma série de respiração de alta intensidade que causou um aglomerado de sons e vozes ininteligíveis. De certa forma, a minha ação significou uma busca por vozes ancestrais. O solo é um elemento com muitas camadas de memória”. Para mais informações, acessar: <https://www.rubianemaia.com/breathing- memories>.
[11] Para Davi Nunes (2018), “Banzo é uma palavra que, segundo Nei Lopes, no Novo Dicionário Banto no Brasil, tem origem na língua QUICONGO,
mbanzu: pensamento, lembrança; e no QUIMBUNDO, mbonzo: saudade, paixão, mágoa. Para ele, ‘Banzo é uma nostalgia mortal que acometia negros africanos escravizados no Brasil.’ Nos dicionários oficias de língua portuguesa, os dicionários brancos, banzo é definido como saudade da África, ou como forma de adjetivação de pessoa triste, pensativa, atônita, pasmada, melancólica. [...] O banzo é mais que isso, conflui em si todas essas palavras em português que remete a um estado de desassossego na alma, convulsionadas por uma exterioridade de terror, morte, escravidão, tortura. É a síntese profunda de uma existência moída em dor por uma estrutura social, política e econômica aterrorizadora. O banzo constrói o ser negro(a) macambúzio(a), um casmurro em zanga, que sente todo o terror da existência nesse chão suspenso e cheio de interdições que o colocaram”. Para mais informações, ver: NUNES, Davi. Banzo: um estado de espírito negro. In: Portal Geledés. São Paulo, 30 de abr. 2018. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/banzo-um-estado-de-espirito-negro/>.
[12] KOPENAWA, Davi & ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Tradução Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015; KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
[13] Performance de longa duração especialmente produzida para integrar a exposição “Terra Comunal - Marina Abramović + MAI” (2015), no SESC Pompeia, em São Paulo/SP, Brasil – uma das maiores retrospectivas já realizadas sobre a carreira da artista sérvia Marina Abramović. De acordo com Rubiane Maia, “a performance ‘O Jardim’ consistiu em permanecer dois meses, oito horas por dia em silêncio, cultivando um jardim de feijões indoor, da semente até se tornarem plantas adultas com a capacidade de florescer e formar vagens com novos grãos. Projeto que foi realizado em duas grandes plataformas de concreto que formam a biblioteca do SESC Pompéia – um prédio de arquitetura modernista criado pela famosa arquiteta Lina Bo Bardi, e que atualmente é tombado como Patrimônio Cultural Nacional do Brasil. Um ambiente preparado e ativo com todas as condições necessárias para que os feijoeiros se desenvolvessem e crescessem da melhor maneira possível, incluindo: mais de 10 toneladas de terra com substrato, iluminação especial, materiais de jardinagem, vidrarias e instrumentos de laboratório médico, água, papéis e materiais de desenho, mesas, e um computador com impressora. Ou seja, uma instalação-lab- microcosmo para ações diárias, que se deslocavam entre a prática comum de jardinagem, a relação do corpo humano com o espaço e as plantas, o estudo e a observação intensa do processo (quase invisível) de crescimento dos ramos rumo a luz e a verticalização, exercícios de cuidado aplicados a si e ao outro (incluindo o público em ações indiretas), comunicação com as plantas, a instauração de um campo energético, dentre outros”. Para mais informações, acessar: <https:// www.rubianemaia.com/o-jardim>.
[14] Performance realizada no PSX | Performance Space: a decade of performance art in the UK, Ugly Duck, Londres, 2021. De acordo com Rubiane Maia “speirein é uma palavra grega que apareceu durante uma das primeiras traduções da Bíblia para o hebraico, quando foi empregada para se referir a dispersão dos Judeus pelo mundo após o cativeiro na Babilônia. É sinônimo de semear, espalhar e dispersar. Nessa perspectiva, alguns estudiosos afirmam que speirein é a palavra que dá origem ao termo diáspora, pois a partir de sua atribuição, ela se tornou uma referência fundamental para explicar os processos de migrações traumáticas. Por 10 horas seguidas, reproduzi continuamente a forma de meus pés com uma mistura de gesso e cimento, usando como base dois pares de moldes de silicone especialmente criados para esse fim, dias antes da apresentação. A repetição do gesto de fabricar pés se tornou o principal dispositivo da performance, subdividida em quatro fases: a preparação do material (mistura do gesso, cimento e água), o preenchimento do molde, a secagem e a retirada das peças. Gestos que foram se alternando sem nenhum período de pausa para espera ou descanso. E que criou uma dinâmica que, consequentemente, contribuiu para um processo de secagem incompleta, facilitando a quebra de áreas mais frágeis, como os dedos. Hora após hora o público podia observar o nascimento de mais e mais pés. E após 9 horas de performance, era possível observar três fileiras com 25 pés organizadas no chão. Na sua maioria, pés com dedos amputados espalhados ao redor. Neste momento, já bem próximo ao final do evento, paro de fabricar novas peças para se aproximar dos pés que estão no chão. E de um modo ritualístico, inicia o tingimento da superfície branca do gesso com água e terra marrom, marrom escura e preta. Em seguida, encerro a performance se sentando no chão, retirando meus sapatos e pintando os meus próprios pés”. Para mais informações, acessar: <https://performancespace.org/PSX-Live-Event>.
[15] GLISSANT, Édouard. Poética da relação. Tradução Marcela Vieira & Eduardo Jorge de Oliveira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
[16] MONTESSORI, Maria. A descoberta da criança: pedagogia científica. Tradução de Pe. Aury Maria Azélio Brunetti. Campinas: Kírion, 2017. BALSAMO, Elena. Libertà e amore: l’approccio Montessori per un’educazione secondo natura [Liberdade e amor: a abordagem Montessori à educação de acordo com a natureza]. Torino: Edizioni II Leone Verde, 2011.
[17] CASTRO, Eduardo Viveiros de. A fabricação do corpo na sociedade Xinguana. In: Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil – Boletim do Museu Nacional UFRJ, 1987. Disponível em: <http://etnolinguistica.wdfiles.com/local-- files/pessoa%3Acastro/castro_1979_xingu.pdf>.
[18] PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana de. (Orgs.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Editora Sulina, 2009.
[19] DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. Tradução Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997.
[20] Para Félix Guattari (1992, p.19), uma definição mais ampla de subjetividade seria “o conjunto de condições que torna possível que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir como território existencial auto- referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade elas mesma subjetiva”. Note que nessa proposta há uma nítida interdependência entre uma definição mais ampla de subjetividade e uma noção mais ampla de território. Na perspectiva deleuze-guattarineana o território é compreendido a partir de articulações entre os sentidos etológico, subjetivo, sociológico e geográfico, ou seja, como um agenciamento entre seres, fluxos e matérias. Nesses sentidos, território existencial envolve a constituição de espacialidades a partir de elementos materiais e afetivos do meio, que, apropriados e agenciados de forma expressiva, levam a construção de territórios provisórios de vida. Para mais informações, ver também: GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Tradução Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. São Paulo: Editora 34, 1992.
[21] RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005.
[22] COCCIA, Emanuelle. A vida das plantas: uma metafísica da mistura. Tradução Fernando Scheibe. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.
[23] CARERI, Francesco. Caminha e parar. Tradução de Aurora Fornani Bernardini. São Paulo: Gustavo Gili, 2017.
[24] TAYLOR, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
[25] hooks, bell. Belonging: a culture of place [Pertencimento: uma cultura do lugar]. New York: Routledge, 2009.
[26] HARTMAN, Saidiya. Perder a mãe: uma jornada pela rota atlântica da escravidão. Tradução José Luiz Pereira da Costa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
[27] D’EMILIA, Dani; ANDREOTTI, Vanessa; GTDF Collective. Co-sentindo com ternura radical [eBook]. São Paulo: PS_São Paulo, 2020. Disponível em: <https:// lapubli.online/TernuraRadical.html>.
[28] Performance apresentada no “Festival Espírito Mundo”, em Vila Nova de Gaia (Portugal); na residência de pesquisa “Seu Vicente”, em Lisboa (Portugal); no Exchange Dublin, em Dublin (Irlanda); no “Vênus Terra”, no Rio de Janeiro/RJ; e no “Hacklab-LIS”, em Vitória/ES, Brasil, 2013. Dividida em dois dias, cada qual com duração de seis horas, a performance foi desenvolvida com base na investigação sobre os modos de funcionamento da memória, na qual Rubiane Maia se desloca entre o binômio lembrança-esquecimento ou esquecimento- lembrança. Dividida em dois momentos complementares, no primeiro deles a artista segurava nas mãos um gravador e lia em voz alta, sem interrupção, a conjugação do verbo ‘esquecer’ em todos os seus modos e tempos. No segundo momento, Rubiane ligava o áudio gravado, acomodava-se sobre uma cadeira caída no chão e, à medida que se concentrava em sua própria voz ecoada pelo gravador, recolhia com o auxílio de um conta-gotas, bem lentamente, o vinho que estava em um cálice localizado acima de sua cabeça, gotejando-o em sua boca, sem engolir, até que todo o líquido transbordasse dela. Para mais informações, acessar: <https://www.rubianemaia.com/decanto- ate-quando-for-preciso-esqu>.
[29] ALVES, Lindomberto Ferreira. A espiral poética e o tempo da criação em Rubiane Maia: notas em processo. In: Revista Manuscrítica. São Paulo/SP, v. 03, n. 42, p. 67-88, dez. 2020. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ manuscritica/article/view/178344/167271>.
[30] De acordo com Leda Maria Martins (2002), na performance ritual, o congadeiro experiencia uma temporalidade espiralada, “[...] um movimento curvilíneo, reativador e prospectivo que integra sincronicamente, na atualidade do ato performado, o presente do pretérito e do futuro. [...] cada performance
ritual recria, restitui e revisa um círculo fenomenológico no qual pulsa, na mesma contemporaneidade, a ação de um pretérito contínuo, sincronizada em uma temporalidade presente, que atrai para si o passado e o futuro e neles também se esparge, abolindo não o tempo, mas a sua concepção linear e consecutiva” (MARTINS, 2002, p. 85). Leda Martins reivindica, portanto, uma temporalidade espiralada na qual “a ideia de sucessividade temporal é obliterada pela reativação e atualização da ação, similar e diversa, já realizada tanto no antes quanto no depois do instante que a restitui, em evento” (Idem). Para mais informações, ver: MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar. In: RAVETTI, Graciela; ARBEX, Márcia (Orgs.). Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais. Belo Horizonte: Departamento de Letras Românicas, Faculdade de Letras/UFMG, 2002. p. 69-91; MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
[31] BERGSON, Henri. Matéria e Memória. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1999; BERGSON, Henri. A ideia de tempo: curso no Collège de France (1901-1902). Tradução Débora Morato Pinto. São Paulo: Editora Unesp, 2022.
CURATORIAL PROCESS AS LISTENING AND MEDIATION
Lindomberto Ferreira Alves interviews Rubiane Maia
English Version translated by Tom Nóbrega
In September 2020, Rubiane Maia had her Project DIVISA approved in the Setorial Open Call of Visual Arts 020/2020 - Axis 2: Formation, Research, Exchange, Registration and Memory, by the Secretariat of Culture of the State of Espírito Santo – SECULT/ES. In February 2021 I had the honour to be invited to this project, and since then I have joined its team of collaborators. Ahead of me there was the complex task of being responsible for the curatorial monitoring of the online installation of the DIVISA project, which can be described as a "journey [undertook by Rubiane, accompanied by her partner Manuel Vason and her son Tian Maia Vason] throughout the boundary which at once unites and separates the provinces of Minas Gerais and Espírito Santo”, in Brazil. What a challenge! Quite a challenge, indeed. It is one thing to admire an artist, to follow her work from afar, as a spectator, aware of the extent to which this particular artist’s work mobilises many of your affections. It's already a different situation to scrutinise her work, taking a certain distance from the original moment of production of each of the artworks. And something else entirely - and therein lies the challenge - is to strengthen the ties with the artist in order to be able to reflect about a work in act, through the development of a sensitive relationship permeated by internal flows which felt appropriate to the moment of creation. This was not only a practical, operational challenge: it was even more of an ethical challenge. After all, how could I, a cisgender white man, find an ethical way to dialogue with the work of a "black woman-artist-mother-researcher” dwelling on the complexities of “that which, for lack of a better word, we call identity" [2]? How to bring about a curatorial position whose ethical prudence could allow me to contribute and to collaborate with an investigation on the "relationship between memory-body-territory-image" addressing issues related to the artist's own subjectivity and biography" [3]?
Those were complex questions for which, I confess, I had no answers. At best, I could envision two possible gestures, which I decided to follow. The first of them relies on the premise that the only ethical position that would fit me in this curatorial process would be the position of listening. Above all because, particularly in this context, the concept of listening would have to do with that which the Brazilian thinker Rosane Borges has been defining as a political decision informing which side of history we are on: "whether on the side of emancipation or on the side whose option is the sacrifice of the human condition. No counter-hegemonic narrative can be possible without, beforehand, taking listening as a political category" [4]. The second gesture, on the other hand, concerns the understanding that any effective contribution to this investigation and to the set of questions mobilised throughout the actions of this project could only align to its political perspective if another position was challenged: the one of the mediator. A position which, throughout little more than five hours of listening [5] by videoconference, was solely deeply invested into pulling some of the threads of the tangled processes developed by Rubiane, Manuel and Tian over twenty days of immersion in the border and, taking this pulling gesture as a departure point, mediating Rubiane's encounter with the interstices of such processes. Such an encounter had no other purpose than to enable Rubiane to use it as an experimental laboratory for the construction of the multimedia narrative which would constitute the online installation DIVISA.
Only a co-implication between these two gestures would allow this operational and ethical challenge to be faced. In similar manner, the lines that follow also emerge from the interdependence between both gestures. Through this interview, which gathers recordings of dialogues held on March 23rd, March 29th April 12th and July 26th 2022, you are being invited to immerse yourself in the multiple layers shaping the interstices of the DIVISA Project. Our choice was not to have any commitment to the chronological order in which that which was shared by Rubiane was brought about during these four moments of interlocution. Our choice was to commit, instead, to the emergence of a narrative going beyond the domain of visuality, one that might allow you to ascend to the the richness and the depth of Rubiane's sensitive understanding about what this project was and how the experience of "(re)establishing a relationship of contact and fusion with this borderline territory, hoping to reveal and re-signify numerous layers of her individual and individual and social history, both of which originated and unfolded themselves in this 'in-between lands'"[6] did unfold.
LINDOMBERTO FERREIRA ALVES: I believe we could start with the most recent experiences. How does it feel to be back "home" after carrying out the DIVISA project?
RUBIANE MAIA: It was a very pleasant trip, there was always very good energy around the journey, from the beginning to the end. And precisely because of this, I came back feeling that I would have liked to stay longer; I wish I had had more time in Brazil. So many little paths opened up in the middle of this journey that we (Manuel, Tian and I) followed, that I had the feeling that none of these processes had really ended. These two months went by without us even realising (laughs). In that sense, I could say that during the first week after returning from Brazil I felt slightly lost, somehow out of place. Only now I'm gradually getting back to my daily life. But at the same time, it felt really special to have had the opportunity to go on this trip. It was different from what I had imagined, and perhaps even better.
LFA: And how did the trip unfold in logistical, operational terms?
RM: The journey lasted 20 days. We created an itinerary, whose central idea was to start in the north of the border and end in the southern border line. There weren’t many setbacks, except for the time it took us to understand how to build up the dynamics of this trip. We already knew that 20 days was a very tight time frame to develop a project of this scale. We left the city of Vitória/ES and went to the city of Montanha/ES - this was the longest part of the trip. We travelled in a small car, in which we managed to accommodate absolutely everything we would need. We knew that we wouldn’t sleep more than one or two nights in the same place. The dynamic of ours was somehow similar to camping, even though we didn't actually camp. We slept in small hotels, which were never booked in advance. As soon as we would arrive in a new town, we would look for a simple place to stay. Even though we had an itinerary, what proved itself to be more useful was to use either Google Maps or Waze and check, in real time, which paths were actually accessible or not. The reason for this is that, basically, in local inland areas there are many dirt roads, and the borders don’t always cross the main highways. We would then follow the highway up to a given point and then we'd get onto dirt roads, which were often very difficult to drive on. We had to deal with things such as the rain and the mud, but in the end all these elements proved to be very rich for the process of open air creation. Ever since the beginning of the trip I had felt a strong urge to work with earth, with pigment – a desire that had begun to make itself present since about two years ago, while I was here in Europe. One could say this was perhaps the first time I looked at Brazil from this perspective. Returning to Brazil right now meant being able to look at this land again, to look at it with an attention that I had never given it before. To observe the richness of colour of the land, the pigmentation of its soils, the combination of its heat and humidity, as well as its vibrancy, its rhythms. All this was very fascinating. And the rain would make it all even more evident, since the tonality of the soil became much more vivid when it was wet than when it was dry. There were some first intentions and ideas behind the project, but it was after we actually started the journey that we were really sure that the earth would be the main element we would be in contact with. We produced basically a series of photographs, videos, 360o videos, audios, actions and a lot of painting on canvas fabric.
Though I had bought many metres of this fabric beforehand in order to be able to work with it, I still did not know if I would actually be able to use this material. But it proved to be the right choice, because in the end this experiment with the fabric was one of the most interesting of the ones we did. It did completely match the idea of working with the pigmentation of the earth. We used this fabric as a kind of skin, covering the places where we passed with the intention of somehow carrying a bit of their memory with us, as we performed various actions on the land itself.
LFA: To round up this discussion about the logistics behind the work, before we go on with the next question, I would like to ask you to talk a little bit about the criteria you used to establish the stopping points along the border, for I got curious.
RM: Besides constantly using Google Maps, we had a physical map, on paper, on which we looked up interesting places. The border is neither easily accessible nor clearly demarcated throughout all its length. Whenever it crosses the highway, it is demarcated; there are signs informing you that you are on the border between Minas Gerais and Espírito Santo. However, oftentimes these points are not even signalled. Especially when they cross small dirt roads. That's why we would use the GPS in order to get the "exact" location of the border. And then, as we were continuously checking the maps, whenever we realised that we were on the border, we would say, "Let's stop here". Every time we identified one of these points, or everytime we managed to get to one, an it was a point we could actually get to - because there were also points where we decided to go, but which we were unable to access, for whatever reason (mostly due to potholes and flooding) - we decided that the ideal would be to use these stops to perform some action, some intervention. Sometimes we stopped in places where we were actually on the border line. Other times we would stop nearby.
LFA: And how did you organise your actions throughout this flow of production taking place onsite, either over the border and near it?
RM: Our greatest effort was always to attempt to carry out the actions on the border line itself - and we managed to do this during most of the trip. At some points, however, this was not possible, so we went as far as we could to get there. In the surroundings of the city of Pancas/ES, for instance, we couldn't access the border, because it is located on a mountain range.
LFA: And which other discoveries did emerge from these various forms of relationship with this border?
RM: For me, it was particularly meaningful to realise how special it was to work having travel as a framework, in such a full immersion. There wasn’t a single break to do anything else that wasn't connected to the purpose of the journey itself. Everything was very intense during this process which put us in constant movement, demanding us to maintain the necessary focus to understand all the necessary logistics needed to go from one place to another. For instance, I did not have time to write a notebook. As much as it could have been nice to have used writing in this context, as a way of turning some impressions into words, I didn't really have time for that. It was all very hectic: getting somewhere, finding a hotel to stay, unloading the car (packed with stuff). Moreover, since we were working with earth, everything was constantly dirty. We were always dirty, the car was dirty. This was our daily dynamic: taking everything out of the car, putting everything inside the hotel room, organising our things, occasionally washing our clothes inside the room, putting the fabrics we were painting to dry, downloading photos and videos, tidying up everything, organising the material for the following day, recharging the batteries of our equipments, preparing food, thinking about snacks for Tian. In that sense, it was all very intense and quite precarious. And this is not at all bad, but it might be challenging, because it throws our body into a different rhythm, whose logic is not oriented towards comfort. We experimented with various dynamics – considering both what was desirable and what was possible for us – and from there on we plunged headlong into this immersion. Our premise was: here we are, the border is our focus and we will try to move along these paths and see what happens. In addition, another interesting aspect that emerged from the various relationships that we established with the border was to note that, while this imaginary line was sometimes located in small villages, on farms, on the edge of the roads, oftentimes in completely isolated places, in other situations it would be located right in the middle of a city. This was the case, for instance, of a small town called Vila Nelita/ES, where the border passes over a small bridge, on which we ended up carrying out an action.
By the way, another interesting fact is that, in many situations, the borders are the rivers themselves. The Preto River, for example, divides in two branches, one of them flows into Espírito Santo and the other into Minas Gerais. This bridge between Vila Nelita/ES and Santo Antonio de Nova Belém/MG is therefore an unifying element between the two states. Next to this bridge, there was the home of a family, whose house is located in Minas Gerais and their yard in Espírito Santo. The owner of the house reported on the numerous problems she had with the documentation of the property. The action carried out on this bridge aroused the curiosity of many people, who came to meet us in order to see what we were doing and what it was all about. This very spontaneous reaction allowed us to collect interviews with local residents - something that we had not previously thought about doing, but which simply happened. One of the people we interviewed was, for instance, a history teacher who works in Minas Gerais and lives in Espírito Santo. As he became interested in the project, he ended up sharing with us a fantastic testimony about his relationship with the border. Another layer that emerged from these conversations was the fact that this place was the epicentre of the Contestado War [7]. A 90-year-old lady told us that, at the beginning of the last century, she used to have to pay a fee in order to cross from one state to another. She also told us that during the Contestado period many people died due to the dispute over territory. Even though today this border is no much more than a symbolic mark, in the past the conflicts in its surroundings were very tangible. During the colonisation period, for instance, such borders operated as extremely important curtailment devices. After all, this was not a territory of free movement. Today, while becoming aware of these limits, I realise that this project also involves understanding these nuances, the overlapping of different temporalities. Which implies saying that, although the historical aspect has not been our main focus, we could not refuse the importance of these multiple layers. These conversations enriched our journey, because, from then onwards, we started to pay more attention to these historical layers. When we passed through Ibatiba/ES, for instance, we came across a Monument to the Tropeiros [8] - the people who were constantly crossing the border, travelling from one place to another, carrying goods.
LFA: Talking about the focus of the project, I would like to return to something you said about the work you did with the earth, along the border. Where does your interest in working with earth and pigmentation come from, since you already mentioned it has been one of your focus for at least two years?
RM: I think what first sparked my interest was, in fact, the experience of motherhood. It was then that I developed substantial research that eventually led me to create the action “This voice cuts me off, removing my feet from their place,” from the Book-Performance, Chapter 1[9], in which I talk about the feet and their connection to the earth, to the roots. Later would also create the work "Breathing Memories" [10] (2019), in which I worked with a handful of earth, which ended up covering my entire head. From this period onwards, materiality started to become very important to me. On the other hand, one can say that the earth also emerges in connection with my experience with migration: I became an immigrant. Living in another country brought me this sense of passage, since I left my homeland to go and live somewhere else. All this relates to concepts such as diaspora and banzo [11], which became ever more urgent. Besides this, there was the experience of a trip I made two years ago to Gran Canaria, one of the Canary Islands, a volcanic island off the northwest coast of Africa. At this particular place, the levels of oxidation of the earth create soils of different colours: green, purple, pink, bluish, etc. The encounter with a coloured mountain sparked in me a very strong desire to work with pigments, since this was the direction I was looking towards, this was where I was able to see the new blossoming coming forth. It is something that would eventually be connected to my interest in indigenous cosmologies, and my desire to act upon a non-anthropocentric perception of the world and of life. In fact, since last year, I have somehow become obsessed with both collecting and studying the earth, understanding the properties of the soil, as well as its colours. I somehow realised that this was already in the process of incubation since 2015, when I made the work "The Garden" [13]. In those circumstances, however, land management was thought much more in connection with the plants, with the process of growing the beans.
Before the trip for the realisation of the DIVISA Project, I had already been studying pigments in order to learn how to make natural paint with the earth. While travelling, it was not possible to produce a very sophisticated work, thoroughly preparing the paint, experimenting with the texture on a surface, waiting for it to dry. In fact, along the way, we experimented in act with these large squares of canvas, dyeing these fabrics as we were going through different bodily body experiences with the earth, staying in the middle of the rain, entering rivers and waterfalls, etc. So we produced several paintings in a very intuitive way, and the fabric ended up becoming an extension of our skins. Now, I envision creating some installations with the canvas, for example. In the end, the desire to work with earth and its pigmentation ended up generating many more things than the project initially envisaged. Which is actually very good!
LFA: I came to think about these dyed fabrics as a kind of witnesses suggesting traces of an experience of working with the earth and land that is necessarily inscribed on the body. Because one cannot deny that, overall, the DIVISA Project happens in your body, in Manuel's and Tian's. And the fabrics are much more powerful as witnesses, perhaps, than the documentation derived from photo and video records. Does that make sense to you?
RM: Yes, it makes total sense. This was why I fell really very much in love with those canvas, because they are created directly in the encounter with a given place. The white uniforms, too, were being naturally dyed as we moved along the border. The clothing itself was transformed into a painting surface. If there is one thing that this project brings back to me is a way of looking at both drawing and painting; a cartographic look, in which the surfaces act as starting points. Those are living surfaces. I recently made the work "Speirein" [14] (2021), for instance, in which I make a series of sculptures out of moulds of my feet. In this work, I operate with the idea of painting the sculptures with earth, approaching the many different tones of earthy browns that make themselves present in our skins. I have been definitely thinking a lot about the earth as a second skin; or perhaps as a skin that covers the entire world. This is not something I have investigated in depth yet, but it is a correlation that is constantly reappearing in my recent proposals.
LFA: Now I would like to go back to something you commented on earlier – you said you knew beforehand that "20 days would be a very tight time frame to develop a project of this scale". How did you handle the relationship between time and permanence in the stopping places? Or, more specifically, how have you been dealing with the limitation of time in order to be able to develop at least a minimal relationship with each of these places?
RM: I would say that the journey itself, or perhaps the fact that we were going to places where we had never been before, in itself provided a rupture with our routine, with the way we had been organising our time together. In fact, it wasn't difficult to choose the stopping points, since we were so fascinated by the possibility of discovering special places along the way. We had a very practical arrangement: we took breakfast at the hotel, then we would load the car with all our stuff, prepare some food for Tian and then leave with the aim of spending the day out. At most, we would stop for lunch at a roadside restaurant – which, in fact, didn't happen very often, since the opening hours of the restaurants (who are usually open only until 2pm), did not synchronise well with our lunch break, which would usually take place later in the day. Our main concern was with Tian, but then we always carried several small meals and lots of fruit for him. The idea of arriving at a given place and building a relationship with it ended up unfolding in a very spontaneous way, aligned with the fact that the three of us were there together, living this little adventure. Later, when we were back to the hotel at night, we would do an online research trying to envision the possibilities for the next day. Sometimes this wouldn’t really work, since, as it turned out it was very difficult to understand, merely through Google Maps, which places were actually accessible. As it happened, as we arrived at a place where we had planned to go, we would sometimes discover that we couldn't actually get to the border due to the road conditions, potholes and flooding caused by rain.
LFA: But how did this relationship between time, adaptation to the possibilities offered by a given place and the realisation of some action unfolded? That is, how did you adjust the experience of the discovery of these places with the length of time of your permanence in them, and finally with the objective that the bond constructed with the place would bring forth some possibility of performative action?
RM: We had these white clothes that we always wore while performing the actions. So whenever we decided it was time to stop somewhere, we would change our clothes and start walking. This was a more attentive, meditative, perhaps more curious, walk. Tian, in that sense, contributed a lot. Like every child, he is quite curious and wants to try everything. We adults tend to over-rationalise any given experience. To be able to escape from reasoning was crucial in this process of establishing a sensitive contact with the places where we were, to be able to escape from conventional logic and act more intuitively. Tian ended up becoming a kind of guide for us. He wouldn't even ask, "What are we going to do now?”. He would just start playing. The first action we did, for instance, was actually a proposal that came from Tian: “are we going to fish these bamboo shells?”.
Another interesting element of the process is that, whenever we were back to the hotel, after a whole day in transit, we would observe the register of the actions. And this inspired us, generating ideas for the next day. Because looking back we realised we could have continued a certain experience for a longer time, or perhaps prolonged our stay in a certain place. And then, the next day, while we were in another place – because we would never go back to the same places – sometimes we would have the chance to apply exercises that we had started before, but which were then interrupted. In other words, during our journey we acquired a sort of a repertoire that would grow every day. I believe it was made of the memories of the journey, which would gradually become part of our bodies, of our desires.
As I rewatch the video in the bamboo grove, I find myself playing, at last the possibility of playfulness opens up for me. It may sound silly, but never before had I thought about the relationship between performance and play. When Tian was a baby, as we began to reflect on the challenges of parenting, we were thinking about the responsibility of raising a child. Looking for guidance, we started reading a lot about Montessori pedagogy [16]. And one of the interesting aspects of this pedagogical proposal is its respect for the relationship the child develops with time. Especially with regard to the fact that children perceive time and relate to it in a way that is very different from us adults. For Maria Montessori, the child is constantly learning, because it is an open being, curious about whatever circumstances come about. That is: for children, any kind of experience generates learning. Therefore, we don't need to do much, apart from offering them a safe, creative and fertile environment so that they are able to make their own choices, according to their interests at that particular moment. Another curious aspect of Montessori pedagogy is that it does not advise the use of the word “play'' to refer to all activities, but reinforces the use of the word "work". That is, instead of proposing "let's play", she prefers "let's work together; let's build something".In fact, Manuel and I never adopted all the rules of this pedagogy, but we were receptive to what made sense to us. But right now I am commenting on this because, during that trip, something funny happened: for us, obviously, the aim of this trip was the creation of a piece of work. So we spontaneously used the word work to refer to the act of making a performance. When I'm doing a performance, I usually don't say "I'm doing a performance", but, almost always, "I am creating a work". But, with Tian's involvement in the actions, we started to attempt to use the word “play” as a synonym of “work”. And it was very interesting to think about this symbiosis between the words performance-work-play. Even though we continued to use the word work, we allowed it to become less heavy, we allowed it to become playful. At the same time, Tian started to adopt the word “work”. Every time he was going to propose something, he immediately asked to put on his uniform, and said: “now it's time for us to work". It was related to this gesture of putting on the clothes. When he put on his clothes, it was time to work (laughs).
LFA: I was wondering how incredible it must have been for him, for Tian, to see his adult parents getting involved in his games...
RM: Yes, he was very proud of that (laughs). Tian's encounter with Brazil, and the maturing of our partnership relationship were two of this journey’s most special features. This was his second trip to Brazil. On the first one, he was only one year and three months old. Now that he is four years old, it was surprising to see how much he is learning to deal with life, with freedom, as he is starting to take on some small responsibilities. During the actions we performed close to the highway, for instance, we had to pay special attention to Tian's movements, since there were cars passing at high speed. We therefore established very clear rules, delimiting a certain work area, to help him be aware of the context around. One of the rules could be, for example: "you are not allowed to cross this line”. Or perhaps, “you can walk on the white line of the road shoulder". Giving precise guidelines was very important to establish a process of mutual trust between us. Even though he is a child, we didn't doubt his capacity to understand that these were safety orientations based on care. He knew that it was something important. Ever since the first day of the journey, when Tian actively participated in the creation of one of the actions, we gradually realised that we had to leave him very free to interact with us or not, according to his wishes. And, also, in between us, we agreed that nothing would be considered a mistake during such processes of interaction. The one point we established very clearly was that while filming we would not speak – or, at least, we were going to avoid speaking, unless it was really necessary to say something – and that he, Tian, would always be able to choose the way in which he would interact with us. He would never have a script, at most there would be boundaries limiting his space to act. Coming to that was not something effortful, after all, he's just a kid. It’s just that he is a child accompanying his mother and father artists on a crazy adventure, you know?
LFA: Did you imagine, as you were writing the DIVISA project, that Tian's presence would add so much strength to the project, contributing in such a decisive way?
RM: No. I didn't imagine anything, I didn't plan any of it and I definitely didn't create any expectations. The only thing I planned was that he would be with us, but not necessarily that he would work with us as a collaborator. I thought about the presence of Tian only as my son, as the child we take wherever we go. Because his involvement with the project came about in such an unexpected way, it was even more beautiful. During the trip, he would really take part in all the stages of creation: he would research different materials, give his opinion about the stopping places and the actions we proposed, and he even got to be behind the camera, because he wanted to learn how to handle the equipment.
LFA: It seems to me that Tian's presence brought up a perspective totally stripped of a series of filters that might be inherent in both your and Manuel's perceptions, regarding, for example, the unfoldment of creative processes...
RM: Yes, exactly. And with that, we had much more freedom to experiment and play. Although Tian likes to refer to the whole process as 'work', I keep thinking that this was due to his understanding that, somehow, Manuel and I were doing something that we both considered to be serious and important. He then, however, completely freed us from the idea of error, of the pressure to get it right. It is also my belief that Tian's dive into this project was so rich that it can serve as a starting point to discuss topics such as the children's relationship with the arts, parenting, etc. Or even to rethink the context of the school, especially because the institution-school usually limits children's protagonism while expecting them to fulfil behaviour protocols. I am proud to say Tian's protagonism here was not in any way lessened compared to mine or Manuel's.
LFA: I was thinking about childhood as a powerful image-force, or rather, of childhood as an image-force we unfortunately lose over time. Tian's presence seems somehow to operate as an element of becoming which is always there, piercing through the work in process as a whole. After all, this is a project which discusses, manages and acts upon a series of questions established beforehand. But then suddenly, you and Manuel are confronted with this little being in a constant state of becoming, affecting everything and offering you other perspectives on what you are doing or even what eventually can be done...
RM: Yes, a child-becoming (laughs). It was really very much like this, this little becoming-being touching everything we did and bringing about the most precious frictions and contributions. Perhaps one thing that made his state of becoming even more intense was our decision not to control or contain it in any way. We would rather follow him, embark on his guiding force. It is not something we are used to doing, but on this journey we embraced the possibility of going along with it. In other words, instead of trying to control the situation, we opted to flow with it, to adopt an intuitive approach.
LFA: And what about Manuel? How do you feel this whole experience was for him?
RM: I can't really say it for him, but I felt it was very interesting for Manuel to go through this experience in which we were all working together. It is never simple to be in a collective, and we are a family. In our everyday life, we are always trying to balance the fact of our being both artists, two partners coming from different cultures, as well as father-mother of a small child, which is something that demands a lot of responsibility. Does this sometimes generate friction? Quite often. But at the same time it offers us many opportunities of growth and maturity. Manuel didn't know much about Espírito Santo, either, didn't know so much about how my family histories unfolded across the border. In other words, he wasn't just the photographer and videomaker of the project. He was my life-partner participating in an encounter with a piece of my history.
LFA: One of the reasons for embarking in the DIVISA Project is related to an attempt to understand your own history, the history of your family, your ancestry. Could you tell us a little about how such a search was articulated throughout the journey?
RM: Of course, since this was my main motivation for creating this project. I was born in the city of Caratinga/MG which is not located on the border with Espirito Santo, but as soon as I was born, my parents moved to the city of Aimorés/MG, on the border between both provinces. Three years later, we moved to Serra/ES, and then finally to Vitória/ES. Aimorés/MG is the city where my father comes from, and this was the reason why we moved there. Caratinga/MG, where I was born, on the other hand, is my mother's town. The history of my father's family is somehow foggy; I never came to know his family, since he became an orphan when he was really young, and he was raised by his grandmother, who died before I was born. He was the eldest son; his mother had two other children, two uncles whom I never met. Since my father was black, my Afro-descendent heritage is connected to his lineage. It’s been some years now since I have been in search of fragments of the history on my father's side of the family. He passed away in 2005, so we did not have enough opportunity to talk about it. This was why we went to visit Aimorés/MG, not only because it is located on the border, but also because I wanted to visit the street where I once lived. I wanted to see one more time the house where I have lived until I was three years old. My mother gave me the address of an old neighbour. I went to her house, told her who I was and what I was doing there, and she immediately remembered my parents. She showed me the house where I used to live, which was very close to hers. Later, she told me that I had a cousin who lived nearby, a relative of my father's, more specifically the daughter of one of my father's uncles. She gave me the address, suggesting that I should go visit this cousin's house. And I decided to go, even though I felt chills in my stomach.
And this is how I came to meet this unknown cousin, a little younger than my mother. She told me several family stories, and showed me the photo of her father, my deceased uncle. She told me that my great-grandmother (my father's grandmother), suffered a lot with domestic violence, up to the point she decided to abandon her husband and raise my father and her other children on her own. She also mentioned that my great grandmother was a strong woman, a warrior who earned a living by washing clothes to support her family. Later, the same cousin said: "the place where our great-grandmother lived is still there. We only don't know if the barracão [a wooden shack] was demolished or not, since it was just an old room with a wood stove inside, but I think that this place still exists until today. It's nearby, you should go there!” And there I went. I knocked on the door, and a woman came to meet us. I said: "Hi, good afternoon, my name is Rubiane. I came here in order to research, to attempt to understand my own story. I found out that this was the place where my great-grandmother used to live...". This place, today, turned into a big house built step by step after my great-grandmother's death, once the land was sold. The place where my great-grandmother used to live turned into a room in this lady's house. She took me to this particular room and showed me exactly where the wood-burning cooker and the doorway used to be. This was definitely one of the strongest experiences of this journey.
I have my great-grandmother's marriage certificate. She was born on June 6th 1895. Only her mother's name appears on the document; there is a dash where the name of her father should be. She was probably the daughter of an enslaved woman. On the other hand, while talking to my mother before leaving for the trip across the border I uncovered yet another layer of these family histories. I found out that my great-grandmother was not born in Caratinga/MG, but in Cuparaque/MG, which is also located on the border between Minas Gerais and Espírito Santo. Actually, it turned out she had moved to Caratinga/MG when she was one year old. I suddenly discovered that I had two grandmothers who were born in two different locations on the border between Espírito Santo and Minas Gerais: one in Aimorés/MG, and the other in Cuparaque/MG. This discovery definitely put Cuparaque/MG in my itinerary. There was no address or any reference of known people, but we tried to find some reference about the place where my grandmother used to live. According to her, it was very close to a big rock, a stone known as Pedra do Pescoço Mole [Soft Neck Stone]. And once we were there we created a work incorporating some old photographs of her wedding.
We also discovered that “cuparaque” means “jaguar”, and that this entire region used to be an indigenous territory. In short, this project ended up somehow throwing me into the core of my very existence. Things ended up happening that went beyond whatever I could have either foreseen or imagined.
LFA: Perhaps this question might be a little premature, especially since I believe that decanting all the experience lived and all the layers accessed in the process of the DIVISA project requires time. But, going back to an expression you used before, “creation of a repertory", I was wondering: which body are these layers, these experiences, as well as the repertoire being created, bringing about? Perhaps we could say that creating a certain repertoire is also, to some extent, creating a new body [17]; in this particular context, however, other contours of intensity seem to emerge from such complication, such interdependence.
RM: Well, I'll start by anticipating that I don't have an answer to this question (laughs). But I could refer to some elements which are, for me, very much related to the experience of constituting this repertoire. That said, what immediately comes to my mind is the cultivation of a porous body, one available to new experiences, predisposed to the idea of temporarily inhabiting a place previously unknown, with few or no reference points given by my previous existence. It goes without saying that this project operates a space-time crossing. In these last days, while writing the entry DIVISA for this publication, I have been thinking a lot about the different strategies we mobilise to cultivate a state of affective receptivity towards everything that surrounds us. And I somehow ended up bumping into a book about cartography [18], consisting of a collection of texts discussing cartography as a method. There was one of the clues offered by this method which immediately resonated with me: “the passion for adventure”. Somehow, though this was a project motivated by childhood memories, an attempt to understand what was this life flowing between Minas Gerais and Espírito Santo, at the same time crossing the border also meant going into the unknown. I reread the chapter "About the Ritornello", from the book Mil Platôs [19], where Gilles Deleuze and Félix Guattari dwell on the notion of existential territory [20], which I consider to be a crucial concept in my research. While going back to this chapter, a short sentence in the text struck me intensely: "the at-home does not pre-exists". The sentence goes on, explaining: "it was necessary to draw a circle around a fragile and uncertain centre, to organise a limited space". As soon as I read their statement saying that the at-home does not pre-exist, I felt a relief, for I immediately connected this statement with another question that kept swirling around my head, concerning the notion of belonging. Then I thought: if the at-home does not pre-exist, it can only be described as a state, something akin to vitality. That means it is therefore something far less solid than it seems, and much more volatile. The organised system that we are used to calling home - an organisation defined based on the idea of an habitable space - is not, in fact, necessarily linked to the feeling of belonging. And I think we could add that the body, itself, does not pre-exist. In fact, it's not even a single body, is it? We are not a unit. We are billions of bodies at the same time, if we take into consideration the water, the cells, the bacteria, all the microorganisms forming that which we call our body.
When I leave England to go to Brazil, there is a certain body that travels. After a few days on the border, however, other bodies emerge. Since this body is affected by the environment, it changes. This is another word making itself constantly present in my thoughts right now: environment. Since an environment is always full of a variety of other bodies, it's not simply a space. It is a space full of both human and non-human bodies. What I mean by this is that our bodies are constantly receiving stimuli and responses from everything around us. This multifaceted sensorial sharing happens all the time, continuously. Regardless of the narratives we keep fabricating to make us believe that the most important transformations in life happened because of a given situation, in fact it is often not that simple, nor that obvious. There are many layers we disregard, so many that we do not even realise that some of them are in action right now, acting upon this very moment. On the other hand, I have always been very interested in moments when the routines are broken, which allows us to perceive so much more, to open ourselves to listening. There's a little passage from a book by Emanuelle Coccia [22] that, at least for me, seems to be related to this question concerning the bodies that emerge during the creation of this repertoire. He says: "a world where action and contemplation can no longer be distinguished, as well as a world in which matter and sensibility come together perfectly". I kept thinking a lot about the relationship between contemplation and action, since this was what was always at stake [23] during our journey. We were experiencing both contemplation and action, as well as both matter and sensibility. Though DIVISA is a project involving direct contact with materiality, all the while it conceives matter as a vibrant, pulsating, living energy. A certain kind of matter, which is responsive to contact. Because as much as matter responds to my actions, my body responds to matter. Finally, I believe that this all ends up having to do with the construction of a repertory made out of minute traces of contact and intimacy accumulated in our bodies [24].
LFA: In other words, it is always a state, always a polyphonic state...
RM: Our body is a channel; we are a hollow, hollowed out body. The experience of crossing the border made us operate as a polyphonic entity, since there are many bodies talking to each other in this place of encounter and passage. Suddenly, not only did I encounter the border-line, but also the border-environment, which ended up shaking my emotional, mental and psychic state completely. My existential territory was shifted from the place it used to be.
LFA: Your reflection on belonging sounds particularly curious if we compare it to one of the main bibliographical references for the DIVISA project - a book [25] by Bell Hooks that actually accompanied you throughout the trip. It seems the way you exercise your thinking about belonging goes somehow against the reflections that she presents to us...
RM: I found some very valuable things while reading that book. She constructs a very personal narrative about her relationship of estrangement and her return to the state of Kentucky (USA). All at the same time, the narrative goes through historical questions regarding the residues of slavery. Despite the particularities and the significant differences in what regards the way the diaspora unfolded in North America and Brazil, in both cases, the mental health of black people is in a state of significant vulnerability, connected to the feeling of not fitting in or not belonging to anything. There is a passage in which Hooks reflects on the ongoing conflicting values between cultures of belonging and liberal individualism, which she experienced herself once she left the state of Kentucky. And she says: "There is very little published work analysing the psychological turbulence faced by black people once they go through serious geographical displacements that brought with them new psychological demands." Which is something that reappears in the words of Saidiya Hartman [26] in an even more direct way: "the feeling of not belonging, or of being an alien element is at the heart of slavery. Love has nothing to do with it; love has everything to do with it". So, this connection between Hooks' and Hartman's thinking is crucial for me. Both authors have deep knowledge and sensibility and their work emerges at the intersection between the historical and the autobiographical. Another important statement that, for me, aligned with the question we are discussing, was proposed by the authors Dani D'Emilia and Vanessa Andreotti [27]: "Deactivate expectations of belonging and focus on unlearning the logic of separateness". When I think about the border, this phrase immediately echoes, sounding both as a challenge and as a primordial, though arduous, exercise for life.
LFA: I have a final question. I got to know your work in 2013, when I attended the presentation of the performance "Decanto, until when it is necessary to forget" [28] in Vitória/ES. It is a work connected to a series of issues related to memory, and it seems that, at that moment of your trajectory, it was above all linked to a certain fascination for humans' lack of ability to control forgetfulness. In other words, it could be described as a work whose actions sought to forge tactics and procedures through which forgetfulness could emerge as a concrete possibility. Almost ten years later you produce the DIVISA Project, which, at least at first, seems to move in the opposite direction. How do you make sense of this displacement, this apparent inversion of perspective? Because it even seems possible to me to think about this question formulating an hypothesis according to which your artistic know-how would be woven through a kind of poetic spiral [29], which would account for the the return of questions, themes, conceptual and formal elements, always under the sign of of difference. But the question that remains open (to a certain extent, only, since you let us glimpse throughout it during all this conversation) is to understand the singularity of this movement of return to the topic of memory.
RM: Memory has come to be the central concept of my research. It is a source I drink from every day. More and more I have come to understand memory as something encompassing all that we are, including forgetfulness, including even that which we don't know we are. It is a narrative, but one that cannot be condensed by language alone. Since it is not limited to human knowledge, it cannot be fully explained; memory goes beyond, touching the extra-human. In this sense, each one of us is no more than a spark in the history of the world. I am, of course, interested in my own history, in family narratives, in the diaspora, in my black heritage, but I don't think this is where this search ends, rather the contrary, perhaps this is where it begins, in order to go beyond. I am also very interested in the memories that go beyond mine, memories which, with some effort, I can access. But, I am as much interested in memories that cannot be accessed at all, that are in the field of forgetfulness. The performance "Decanto, until when is it necessary to forget" helped me understand that forgetfulness is not the opposite of remembrance. In fact, they work together, through movements of expansion and contraction. Which means that memory is something whose quality is always plastic, dynamic. It is capable of taking various forms. In order to understand this, to exercise this, we need to avoid thinking of time as a linear straight line. We need to give up the idea of separation between past, present and future [30]. This concept of poetic spiral seems very interesting to me, since it reflects how the movements of life usually happen in an interplay between similarities and differences.
According to Bergson [31], quite often what we remember is that which somehow proves to be useful for the present. Useful in the sense that, somehow, that which comes back to us as memory is also contributing to the movement of updating the collective memory of the
world. In other words, the past always has a contribution to offer, propitiating processes and events which are linked to the transformations on course right now. Therefore, I would even risk affirming that the DIVISA Project, as well as its way of operating, through the rescue of some personal memories, has always been incubating. But it happened only when it needed to happen, and that moment was now. And curiously, this project happens in a moment in which a new descendant of the same lineage coming from the diaspora, Tian, now coexists with me. And that, too, makes total sense to me, as I realise that carrying out this project meant, symbolically, introducing him to my land. As much as Tian's arrival brought back memories of the child I once was, it also made me look with much more respect at the traumatic events happening in my family preceding my birth. In other words, I feel that there is magic happening, precisely because time is a spiral that allows a continuous actualization of who we are. This has made me reflect on how our images related to family and childhood, instead of being there simply at the whim of chance, often return to materialise the expansion of our existential territory, propelling the future (or the futures) opening up before us. As I turn memory into a device allowing me to constitute what I am, I stimulate the healing of certain aspects of the past, pains and traumas that need to be addressed and remembered and ritualised. And in our case, as black people, many of the scars inherited by colonialism are still lingering in limbo, silenced , forgotten - it is a pain transmitted from generation to generation. In the book we already mentioned, Bell Hooks says: "healing that spirit meant remembering myself, picking up the pieces of my life and putting them back together again. By remembering my childhood and writing about my early years, I was mapping the territory, discovering myself”. To sum up, I would like to close this interview with another passage, in which she beautifully states: "even when I felt that therapy was not helping, I did not lose my conviction that there was health to be found, that healing could come from understanding the past in connection with the present"
NOTAS
[1] Excerpt of the text of the DIVISA Project submitted to the Visual Arts Sectorial Edital 020/2020 - SECULT/ES.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem.
[4] Excerpt of Rosane Borges' speech, made on December 11th, 2020, during her participation in the panel "Looking and listening as political acts in counter-hegemonic narratives", in the scope of the 1st Meeting of Arts and Counter Hegemonic Narratives of/in the Amazon - an event promoted by the Laboratory of Experimentation in Philosophy, Art and Politics in Amazonia | PPGArtes & ICA/UFPA. The full record of Rosane Borges' talk is available at: <https://youtu.be/0DO0W8gZsjo>.
[5] ALVES, Rubem. Listening. In: ALVES, Rubem. O amor que acende a lua [Love lighting up the moon]. Campinas: Papirus Editora, 1999. Available at: <http://www.caosmose.net/candido/unisinos/textos/escutatoria.pdf>.
[6] Excerpt of the text of the Project DIVISA submitted to the Visual Arts Sectorial Edital 020/2020 - SECULT/ES.
[7] According to Nayana de Souza Ramos et al. (2018), "the history of Contestado finds its roots in October 8, 1800, in between the provinces of Minas Gerais and Espírito Santo, as a demarcation was instituted, once Rio Doce was opened to navigation. A century later, on October 18, 1904, each province adopted their own dividing line, north of the Rio Doce, the Serra dos Aimorés or Souza, which, with time, created a confusion of denominations which was to become the real point of contention. Minas Gerais would argue that the Serra dos Aimorés was located in Água Branca, in the state of Espirito Santo, while the capixabas refused, claiming that it was in Conselheiro Pena, in Minas. In the meantime, the region was disputed by both. In 1914, the Supreme Court (STF) defined Serra dos Aimorés as the official division between the two states. From then on, an atmosphere of fear, insecurity and threats erupted between the inhabitants of both states. [Amidst of this cold war, the Contestado zone was a territory of 10 thousand km2 which, disputed by the governments of Espírito Santo and Minas Gerais since 1903. [...] The troops from Minas Gerais and the Capixabas soldiers were in readiness. The climate of tension and imminent combat spread both among the military and the local population: there were years of apprehension and entrenchment. Although there was no direct confrontation between the troops from Minas Gerais and Capixabas, the dispute concerning the boundaries left a large number of victims, both civilians and military, and the total number of deaths remains uncertain. In 1958, both provincial governments withdrew their troops from the region and began negotiating on the basis of expert reports". For more information, see: RAMOS, Nayana de Souza et al. 1948 - The marks of Contestado amidst the Ataléia barracks massacre Case No. 895: A story never before told. In: Revista do Observatório da Justiça Militar Estadual, Belo Horizonte, vol. 2, no 2, p. 57-67, jul. - dec., 2018. Available at: <https://observatorio.tjmmg.jus.br/seer/index.php/ROJME/article/view/71/75>.
[8] Built in 2011, the Monument consists of eight figures of animals, loaded with buckets, bags and boxes, as well as two human figures, a rider and a toleteer/tocador, in real size, resembling a troop. It is located in one of the central flowerbeds, in an urban area, on BR 262. In 2013, by virtue of the approval of law No. 702/2013, the Monument was declared a historical and cultural heritage of the municipality of Ibatiba/ES.
[9] Action performed in partnership with Adelaide Bannerman, at Jerwood Art Space, in London, England, 2018. The action consisted in "transplanting a small tree of the species Ficus Lyrata or Fiddle-leaf fig, as it is popularly known. It’s a perennial, tropical plant, native to West Africa, but cultivated worldwide. Start by removing the tree from the pot and then carefully move all the soil away. Release and expose the root completely, touching it gently. Replant the tree in another pot with new soil. The whole action was carried out under Adelaide Bannerman's reading of a text fragment, whose central thread were the feet. Fragment: "my left foot is in disagreement with my right foot. I am leaning over my feet, every day, every dawn. Especially in nights of insomnia. I am leaning over my roots". Regarding the motivations for this writing, Rubiane Maia says: "When my son turned four months old, I started writing every day for a year - from January 2018 to January 2019. With great effort, I forced myself to sit in front of the computer and write whatever would come to my mind, consciously without a pre-planned direction. Through this daily commitment, a kind of cathartic writing emerged, consisting mostly of narratives about my past and present life. These pieces of writing describe the transformation brought about by motherhood and having emigrated to another country. They speak of violent dreams, of my career, revealing suppressed emotions, as well as images of my family and childhood. While developing this practice, I uncovered layers of traumatic memories of racism and misogyny lost in oblivion. I confronted situations which revealed the brutality of a system that silences and alienates minority identities: in my case, a Brazilian-black-female-mother-artist. An epiphany between memory, incarnation and language, which I have gradually familiarising myself with and which I decided to analyse and edit to create a series of actions in response to these autobiographical texts." For more information, go to: <https:// www.rubianemaia.com/this-voice-cuts-me-off-removing-my->.
[10] Action performed at Art Residency PAUSE & AFFECT 4 at Performance Space, Folkestone, England, 2019. Concerning this process Rubiane Maia says: "In May/June 2019, I was invited to participate in an artist residency, during which I researched the 'Inverted Cone' diagram created by Henri Bergson to illustrate his theory on Time and Memory. Apart from my curiosity on the subject, I was particularly interested in the shape of the cone itself, as well as in its sonic possibilities. I developed a series of works in which the form of the cone would come up in sculptures, drawings and diagrams, as well as performative actions. In one of the pieces, entitled "Breathing Memories”, I connected a cone object to a snorkel tube (a device used in the sport of snorkelling) in order to capture and amplify the flow of air entering and exiting my mouth. I positioned myself face down, so that my head was covered by a pile of dirt, and for three hours I performed a series of high-intensity breaths from which a cluster of unintelligible sounds and voices emerged. To a certain extent, my action was a search for ancestral voices. Soil is an element with many layers of memory." For more information, access: <https://www.rubianemaia.com/breathing-memories>.
[11] For Davi Nunes (2018), "Banzo is a word that, according to Nei Lopes, in Novo Dicionário Banto in Brazil, originates from the QUICONGO language, mbanzu: thought, remembrance; and in QUIMBUNDO, mbonzo: saudade, passion, sorrow. For him, 'Banzo is a deadly nostalgia that afflicted black Africans enslaved in Brazil'. In the official dictionaries of Portuguese language, which are white dictionaries, “banzo” is defined either as “saudade da África” [feeling homesick after leaving Africa], or as an adjective referring to a person who is sad, pensive, stunned, astonished, melancholic. [...] Banzo is more more than this, though: it encompasses by itself all the words in Portuguese that refer to a state of disquiet in the soul, convulsed by an exteriority of terror, death, slavery torture. It is a profound synthesis of an existence crushed in pain by an appalling social, political and economic economic structure. Banzo constructs the figure of a sorumbatic black being, a stubborn sullen individual who feels all the terror of existence in the suspended ground full of interdictions they were brought to". For more information, see: NUNES, Davi. Banzo: a black state of mind. In: Geledés Portal. São Paulo, 30 Apr. 2018. Available at: <https://www.geledes.org.br/banzoum-estado-de-espirito-negro/>.
[12] KOPENAWA, Davi & ALBERT, Bruce. The falling sky: words by a yanomami shaman. Translated bt Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015; KRENAK, Ailton. A Life is not useful. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
[13] Long duration performance produced to integrate the exhibition "Communal Land - Marina Abramović + MAI" (2015), at SESC Pompeia, in São Paulo/SP, Brazil - one of the largest retrospectives ever held on the career of the Serbian artist Marina Abramović. According to Rubiane Maia, "the performance 'The Garden' consisted of remaining in silence eight hours a day during two months, while cultivating a garden of indoor beans, from the seed stage until they would become adult plants able to flower and form pods with new beans. The project took place in the two large concrete platforms that form the library of the SESC Pompéia - a building of modernist architecture created by the famous architect Lina Bo Bardi, currently listed as a National Cultural Heritage of Brazil. The environment was actively prepared so that it could offer all the necessary conditions for the bean plants to develop and grow including: more than 10 tons of soil with substrate, special lighting, gardening materials, medical laboratory glassware and instruments, water, paper as well as drawing materials, tables, and a computer with a printer. In other words, it was an installation-lab, a microcosm for daily actions, whose range would include, besides the common practice of gardening, the relationship of the human body with the space and the plants, a study and intense observation of the almost invisible process of growth of the branches towards light and verticalization, as well as exercises related to the presence the other (including the public in indirect actions), communication with the plants and the plants, the establishment of an energy field, among others". For more information, access: <https://www.rubianemaia.com/o-jardim>.
[14] Action performed at PSX | Performance Space: a decade of performance art in the UK, Ugly Duck, London, 2021. According to Rubiane Maia "speirein is a Greek word that It which appeared during one of the first translations of the Bible from the Hebrew, when it was used to refer to the dispersion of Jews around the world after captivity in Babylon. Their synonyms are verbs such as to sow, to scatter and to disperse. According this perspective, some scholars claim that speirein is the word that originated to the term diaspora, since from its attribution, it came to be a fundamental reference to explain the processes of traumatic migrations. For ten hours, I continuously reproduced the shape of my feet with a mixture of plaster and cement using as base two pairs of silicone moulds specially created for this purpose, a few days before the performance. The repetition of the gesture of creating feet became the main device of the action, which was subdivided in four phases: the preparation of the material (mixture of plaster, cement and water), filling the mould, drying, and removing the pieces. I alternated between such gestures without any pause either to wait or to rest. All that created a dynamic that, eventually, would lead to an incomplete drying process, facilitating the breaking of more fragile areas, such as the fingers. Hour after hour, the public could observe the birth of ever more feet. And after 9 hours of performance, it was possible to observe three rows of 25 pairs of feet arranged on the floor. Most of them, however, were feet with amputated toes scattered around them. At a certain point, as the end of the event approached, I stopped making new pieces in order to get closer to the feet on the floor. And then, in a ritualistic way, I started to dye the white surface of the plaster with a mixture of water and brown, dark brown and black earth. I finished the performance sitting on the floor, removing my shoes and painting my own feet". For more information, see: <https://performancespace.org/PSX-LiveEvent>.
[15] GLISSANT, Édouard. Poetics of relation. Translation by Marcela Vieira & Eduardo Jorge de Oliveira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
[16] MONTESSORI, Maria. The discovery of the child: scientific pedagogy. Translation by Fr. Maria Azélio Brunetti. Campinas: Kírion, 2017. BALSAMO, Elena. Libertà e amore: l'approccio Montessori per un'educazione secondo natura [Freedom and love: the Montessori approach to education according to nature]. Torino: Edizioni II Leone Verde, 2011.
[17] CASTRO, Eduardo Viveiros de. The fabrication of the body in Xinguan society. In: Indigenous societies and indigenism in Brazil - Boletim do Museu Nacional UFRJ, 1987. Available at: <http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/pessoa%3Acastro/ castro_1979_xingu.pdf>.
[18] PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana de. (Orgs.). Pistas do método da cartography: research-intervention and production of subjectivity. Porto Alegre: Sulina Editora, 2009.
[19] DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. A thousand plateaus: capitalism and schizophrenia. Vol. 4. translated by Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997.
[20] For Félix Guattari (1992, p.19), a broader definition of subjectivity would be "the set of conditions that make it possible for individual and/or collective instances to be in a position from which to emerge as a self-referential existential territory, in adjacency or delimitation with an alterity that is itself subjective". Note that in this proposal there is a clear interdependence between a broader definition of subjectivity and a broader notion of territory. In the Deleuze-Guattarinean perspective, territory is understood from articulations between the ethological, the subjective, the sociological and the geographical senses, in other words, as an agencement between beings, flows and matter. In this sense, an existential territory allows for the constitution of spatialities emerging from material and affective elements of the environment, which, when explored and agencyed in an expressive way, might lead to the construction of provisional territories of life. For further information, see also: GUATTARI, Félix. Chaosmosis: a new aesthetic paradigm. Translation by Ana Lúcia de Oliveira and Lúcia Cláudia Leão. São Paulo: Editora 34, 1992.
[21] RANCIÈRE, Jacques. The sharing of the sensitive: aesthetics and politics. Translation by Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005.
[22] COCCIA, Emanuelle. The life of plants: a metaphysics of mixture. Translation by Fernando Scheibe. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.
[23] CARERI, Francesco. Walk and stop. Translation by Aurora Fornani Bernardini. São Paulo: Gustavo Gili, 2017.
[24] TAYLOR, Diana. The archive and the repertoire: performance and cultural memory in the Americas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
[25] hooks, bell. Belonging: a culture of place. New York: Routledge, 2009.
[26] HARTMAN, Saidiya. Losing one's mother: a journey through the Atlantic route of slavery. Translation by José Luiz Pereira da Costa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021. [27] D'EMILIA, Dani; ANDREOTTI, Vanessa; GTDF Collective. Co-feeling with radical tenderness. [eBook]. São Paulo: PS_São Paulo, 2020. Available at: <https://lapubli.online/ TernuraRadical.html>.
[28] Performance presented at "Espírito Mundo" Festival, in Vila Nova de Gaia (Portugal); at the research residency "Seu Vicente", in Lisbon (Portugal); at Exchange Dublin, in Dublin (Ireland); at "Vênus Terra", in Rio de Janeiro/RJ; and at "Hacklab-LIS", in Vitória/ES, Brazil, 2013. Divided into two days, each one of them with a duration of six hours, the performance was developed based the investigation of memory and its modes of functioning, in which Rubiane Maia alternated between the binomial remembering-forgetting or forgetting-remembering. The action was divided in two complementary moments: in the first of them the artist held a tape recorder in her hands and read out loud, without interruption, the conjugation of the verb 'to forget' in all its moods and tenses. In the second moment, Rubiane turned on the audio recorder, sat down on a chair fallen on the floor and, as she concentrated on her own voice echoed by the recorder slowly took the wine from a goblet with the help of an eyedropper above her head, pouring it into her mouth, without swallowing, until all the liquid would overflow from her. For more information, access: <https://www.rubianemaia.com/decantoate-quando-for-preciso-esqu>.
[29] ALVES, Lindomberto Ferreira. The poetic spiral and the time of creation in Rubiane Maia: notes in process. In: Revista Manuscrítica. São Paulo/SP, v. 03, n. 42, p. 67-88, dec. 2020. Available at: <https://www.revistas.usp.br/manuscritica/article/view/178344/167271>.
[30] According to Leda Maria Martins (2002), in the ritual performance, the “congadeiro” experiences a spiral temporality, "[...] a curvilinear movement, reactivating and prospective that synchronically integrates, in the actuality of the performed act, the present, the past and the future. [...] each ritual performance recreates, restitutes and revises a phenomenological circle in which the action of a continuous past, pulsates and synchronized in a present temporality in the same contemporaneity, which at once attracts the past and the future and spreads out in them, abolishing not time itself, but its linear and consecutive conception" (MARTINS, 2002, p. 85). Leda Martins claims, therefore, the possibility of a spiral temporality in which "the idea of temporal successivity is obliterated by the reactivation and updating of actions which are both similar and diverse, already being performed at once before and after the instant that restores it, as an event" (Idem). For further information see: MARTINS, Leda Maria. Performances of spiral time. In: RAVETTI, Graciela; ARBEX, Márcia (Orgs.). Performance, exile, borders: territorial and textual wanderings. Belo Horizonte: Department of Romance Languages, Faculty of Letters/UFMG, 2002. p. 69-91; MARTINS, Leda Maria. Performances of spiral time: poetics of the body-screen. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
[31] BERGSON, Henri. Matter and Memory. Translation by Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1999; BERGSON, Henri. The idea of time: course at the Collège de France (1901-1902). Translation Débora Morato Pinto. São Paulo: Editora Unesp, 2022.